28 de mar. de 2007

"o céu cheio de céu"


(pôr do sol visto do bar Spicy, na Asa Norte, em Brasília)

Saudades desta cidade com "o céu cheio de céu", como disse meu caríssimo amigo Metal Cabelinho.

Existe tanta beleza neste mundo...

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27 de mar. de 2007

As cidades e as histórias.

Levando alguns passos em frente (por um caminho mais produtivo) o post anterior, estava pensando sobre a importância da existência de literatura ambientada em uma cidade para a construção do imaginário de (e sobre) aquela cidade. No caldeirão desta reflexão, junto 3 sentimentos semelhantes em natureza e distintos no tempo e no espaço.

O primeiro é o sentimento de isolamento e "saudade do desconhecido" que experimentava nos tempos em que só lia literatura estrangeira. Sentia falta de encontrar a minha cultura, a minha nacionalidade, nas histórias que me moviam.

O segundo sentimento era um sentimento de falta. A falta de literatura sobre Brasília, que narrasse histórias brasilienses, sob os céus da Cidade Seca, falando das coisas daquele lugar -- capturando seu espírito, evidenciando-o. A este sentimento respondi me propondo quase naturalmente a só escrever a respeito daquela cidade, no meu período de contista que foi de 2003 a 2006.

O terceiro sentimento é o encanto cantado no post anterior, de andar por uma cidade que é pano de fundo e personagem de uma boa parte daquilo que ando lendo hoje em dia. Isso não é sem propósito; desde que me mudei para o Rio me propus a mergulhar e conhecer a literatura carioca que fale sobre a cidade. A sensação de ler sobre Copacabana, sobre o Jardim Botânico, sobre a rua Voluntários da Pátria em Botafogo (onde trabalha o médico da morta de Bufo & Spallanzani, de Rubem Fonseca), sobre a Urca onde um homem morre afogado enquanto Clarice Lispector experimenta seu vestido... sobre tantos lugares e histórias cariocas... é simplesmente fantástica. É como estar finalmente inserido e contemplado integralmente em um universo ao mesmo tempo real e secundário, imaginário e sólido. É a magia penetrando o dia a dia.

Isso me leva de volta ao questionamento do segundo sentimento: É necessário que as pessoas escrevam sobre suas cidades, sobre suas realidades, sobre suas vidas e as vidas das quais são testemunhas. Há de se falar de jeitos, trejeitos, ruas, espaços, apertos, histórias e ilusões de cada cidade -- e de sua gente. Uma cidade sobre a qual há rica literatura é mais real do que a sua realidade física, é super-real, é mais forte e se entranha na carne do leitor-morador.

É por estas e por outras que me sinto em dívida com minha cidade natal quadradinha. Eu tenho que escrever sobre aquela cidade! Tenho que viver mais dela, e escrever mais, muito mais, sobre ela! O Rio já está em boas mãos. É bom de morar, é bom de ler. Mas quando não estiver escrevendo sobre a Terra Encantada, quero escrever sobre a minha terra.

Brasília ainda carece de quem conte suas histórias. Eu ainda careço de contar as histórias da minha Brasília. Ouço o chamado. Um dia eu chego lá...



Já que declarei em meu post anterior meu amor pelo Rio, agora é hora de declarar também o meu amor por Brasília, sua gente, sua terra que vira poeira no ar e seu vento seco que embaraça os cabelos e o coração. Eu também amo Brasília, e ainda vou escrever muito sobre ela. Ela merece!


(mas para quem também ficou com água na boca para ler sobre Brasília, humildemente prometo publicar mais dois de meus contos brasilienses no Overmundo logo depois que publicar a quinta parte de O Cavaleiro e o Dragão. Para quem não quer esperar, sempre há Na Saída e A Moça Acenando na Janela.)

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Pelas ruas da cidade, encontro ecos de romances...

Andando pelas ruas de Copacabana, voltando da estação de metrô até minha casa, fico olhando para os prédios, janelas, para as pessoas, e suspirando. Não é que eu seja um bobo alegre, ou pelo menos não é só por isso. Ando suspirando, pois ainda não me tornei insensível à riqueza de vida e beleza que há em cada detalhe das ruas desta cidade (ou ao menos da maioria das ruas que conheço dela). A cada entrada de prédio, com seus ecos de pretensa opulência cinquentista, ou com sua discreta graça que se compõe com o bucolismo e carioquice das ruas, fico impressionado. Chego a parar, ter vontade de tirar fotos ou olhar por longos minutos para apreender cada detalhe. As pessoas nas ruas me deixam impressionado. O relevo derretido do asfalto, os morros aparecendo por trás dos prédios, as árvores, o descuido e o cuidado com os detalhes, a riqueza que só os anos e as histórias de tantas vidas se desenrolando por ali podem dar a uma cidade... tudo me deixa muito impressionado, tocado e suspirante.
Estou mesmo apaixonado pelo Rio de Janeiro.

Desde que cheguei, mergulhei na leitura de autores cariocas que falem sobre o Rio. Clarice Lispector, Rubem Fonseca, narradores de vidas cariocas simples ou complexas, cada um com seu estilo, com seu olhar sobre a cidade. Andar pelas ruas do Rio com as frases destes homens e mulheres tão cariocas na cabeça é viver uma constante identificação de nuances. É como andar em Brasília ouvindo Legião Urbana no diskman. É como ser convidado para estar ali. É como começar a descobrir uma cidade...
É como se apaixonar.

Acho que ando um bocado sensível, talvez até meio bobo. Mas é desta sensibilidade que nasce o olhar que me presta para escrever qualquer coisa que preste. É disso, e dos sonhos, que nascem todos os contos, sejam eles de fadas ou de pessoas mundanas (ou não).

Quanto tempo se leva para se reconstruir o escritor que vinha se perdendo dentro de mim? Seja como for, está acontecendo rápido.

"Minha alma canta... vejo o Rio de Janeiro."



E enquanto isso o "cara lá de cima da montanha" abraçava as nuvens roxas ao cair da tarde na cidade do povo gato...

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26 de mar. de 2007

De volta às motocicletas...

Discussões psicoclínicas, metafísicas e culturais, somadas às minhas próprias reflexões fabulísticas e morais, me levaram de volta ao início daquela estrada. Cá estou eu olhando para a estante e pensando que é hora de reler "Zen e a arte da manutenção de motocicletas" (há um resumo não garantido dele aqui, para quem não o conhece), para reencontrar o início do fio da meada da Qualidade e do Bom e Ruim.

Quando nossa visão do mundo começa a ficar muito complexa, dá uma enorme preguiça de reestruturá-la para abarcar novas percepções e insights. Mas é justamente neste momento que devemos fazê-lo. "Keep it simple, stupid!", dizem os sábios zen-carequinhas e os cabeludos e desajeitados evangelistas do código. E é justamente em busca da raiz da simplicidade que mergulho me Pirsig e Tolkien, tentando encontrar um espelho adequado para a pessoa e para o contador de histórias em mim.

Estamos em obras? Sempre.
Mas estamos trabalhando para melhorar os "serviços"(!?).

E chega de posts complexos e reflexivos!
Quando eu escrever novamente aqui, quero que seja sobre uma poesia ou um trecho de história, pois é para isso que estamos aqui, não é mesmo?
Chega de mostrar entranhas...
É hora de cantar e contar histórias...

Abraços do Verde.

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24 de mar. de 2007

Subcriação: poder divino e essência do fantástico, da imaginação e da realização/realidade.

Há algum tempo estou não apenas me preparando para escrever este texto, mas também sentindo uma grande falta dele como substrato para dar um pouco mais de sentido a tantas de minhas reflexões. Vamos, neste post, tentar jogar alguma luz sobre o complexo e absolutamente fascinante conceito de Subcriação elaborado (ou revelado) por J.R.R.Tolkien, que não apenas ilumina a arte da narrativa fantástica como lança também sua luz sobre a dimensão divina do ser e sobre algumas descobertas da física quântica.

Para começar, e tentar colocar em poucas palavras o que toda a literatura Tolkeniana apenas começou a explicar, vamos tentar criar um esboço de definição do que é a Subcriação:

Subcriação é o poder de conceber, com o uso da imaginação e da manipulação quase mágica da linguagem (idéias e conceitos), uma dimensão outra de realidade, com entidades várias, cuja existência é conjurada unicamente pela capacidade de imaginação do ser. Trata-se de conjurar a existência de algo antes inexistente, ou antes inexistente naquela forma, pela pura capacidade de imaginá-lo e experienciá-lo em sua imaginação. Assim concebido e trazido à realidade (mesmo que apenas a uma realidade secundária), este ente passa a existir e deve sua existência unicamente ao poder imaginador (subcriador) de seu imaginante.


Admitindo que minha definição foi um bocado canhestra, e talvez não muito clara, vamos às palavras de um dos mais hábeis subcriadores de nosso mundo a respeito da Subcriação. Nas páginas 28 e 29 de seu "Sobre Histórias de Fadas"(edição brasileira da Conrad, de 2006), Tolkien fala um pouco sobre a Subcriação:
"(...)A mente humana, dotada de poderes de generalização e abstração, não vê apenas grama verde, mas discriminando-a de outras coisas (e contemplando-a como bela), mas vê que ela é verde além de ser grama. Mas quão poderosa, quão estimulante para a própra faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou mágica do Belo Reino é mais potente. E isso não é de surpreender: tais encantamentos de fato podem ser vistos apenas como uma outra visão dos adjetivos, uma parte do discurso numa gramática mítica. A mente que imaginou leve, pesado, cinzento, amarelo, imóvel, veloz também concebeu a magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar, transformaria o chumbo cinzento em ouro amarelo e a rocha imóvel em água veloz. Se era capaz de fazer uma coisa, podia fazer a outra, e inevitavelmente fez ambas. Quando podemos abstrair o verde da grama, o azul do céu e o vermelho do sangue, já temos o poder de um encantador em um determinado plano, e o desejo de manejar este poder no mundo externo vem a nossa mente. Isso não significa que usaremos bem esse poder em qualquer plano. Podemos pôr um verde mortal no rosto de um homem e produzir horror, podemos fazer reluzir a rara e terrível lua azul, ou podemos fazer com que os bosques irrompam em folhas de prata e os carneiros tenham pelagens de ouro, e pôr o fogo quente no ventre do réptil frio. Mas numa "fantasia", tal como a chamamos, surge uma nova forma: o Belo Reino vem à tona, e o Homem se torna subcriador.

Assim, um poder essencial do Belo Reino é o de tornar as visões da "fantasia" imediatamente efetivas através da vontade. Nem todas são belas, nem mesmo salutares, certamente não as fantasias do Homem decaído. E ele maculou os elfos que têm esse poder (em verdade ou em fábula) com sua própria mácula. Este aspecto da "mitologia" -- a subcriação, não a representação ou a interpretação simbólica das belezas e dos terrores do mundo -- é muito pouco considerado, em minha opinião.(...)"

O que Tolkien está nos apresentando neste e em tantos outros trechos desta de outras de suas obras é que a própria faculdade de imaginar algo, rearranjar-lhe a natureza ou as características, ou mesmo sua relação com o universo que o cerca, é em si só um ato de criação cujas consequências são admiráveis e fantásticas. É a própria faculdade de subcriação, o poder de criar com a imaginação, que Ilúvatar concede aos Ainur no Ainulindalë de O Silmarillion -- onde descreve a criação e a primeira era da Terra Encantada de (que significa, em élfico, "isso é" ou "deixa ser" -- palavras de Ilúvatar que realizaram a subcriação ainuriana), onde se desenrola numa era posterior a sua famigerada saga d'O Senhor dos Anéis.

Ao fundir ou, mais do que isso, identificar o poder subcriador do fabulista e do contador de histórias encantadas com o poder dado por Ilúvatar aos Ainur no Ainulindalë, Tolkien está fazendo uma afirmação discreta e refinada, mas profundamente poderosa -- a de que o poder da subcriação é o que nos torna deuses (como o fez com os Ainur). Da mesma forma Tolkien narra no mesmo Ainulindalë que Ilúvatar teria dado aos elevados Ainur o poder e o privilégio de nomear aquelas coisas que criaram, e que estes nomes passariam a ter um enorme poder, pois tornariam-se parte da criação -- o que não é senão um mito do surgimento da linguagem, a qual é, enquanto elemento organizador de idéias e conceitos, uma ferramenta fundamental à própria faculdade subcriadora. Em um outro trecho de "Sobre Histórias de Fadas" Tolkien também faz uma breve elaboração sobre linguagem e mitologia, quando diz:
"(...)A opinião de Max Müller, a visão da mitologia como "doença da linguagem", pode ser abandonada sem remorso. A mitologia não é nenhuma doença, porém pode adoecer, como todas as coisas humanas. Da mesma forma alguém poderia dizer que o pensamento é uma doença da mente. Estaria mais próximo da verdade dizer que as línguas, em especial as européias modernas, são uma doença da mitologia. Mas ainda assim a linguagem não pode ser descartada. A mente encarnada, a língua e o conto são contemporâneos em nosso mundo.(...)"

Posto isso, Tolkien coloca a linguagem e o mito como elementos inseparavelmente entrelaçados, de modo que geram e devoram um ao outro em seu próprio ciclo e, a meu ver, dá a entender (como se confirma em vários outros trechos) que o mesmo processo que de uma forma gera linguagem e mito, também gera a narrativa fantástica (esta, irmã do próprio mito) e toda a invenção humana -- e tudo isso é fruto e, ao mesmo tempo, matéria prima do divino poder da subcriação.

Dando mais um ousado passo à frente, é possível conectar a idéia de subriação aos mais arrojados conceitos da física quântica, nos quais o Universo só existe pois está sendo não apenas observado, mas moldado pela imaginação e pela percepção. Dando às mãos a Tolkien e Fred Alan Wolf (que maravilhosa companhia!) podemos chegar à conclusão de que não apenas o poder da subcriação é a essência de toda a arte, linguagem e fantasia, mas também o elemento que molda o universo à imagem e semelhança de nossas banais ou ousadas imaginações. Posto isso, somos todos criadores (ou, mais corretamente, subcriadores, senhores do rearranjo livre da realidade) -- deuses -- e a "chama secreta" que deu a existência a brilha no coração de todos nós.

Este é um dos motivos pelos quais eu digo com ORGULHO que eu sou um contador de histórias. Isso é uma reafirmação da nossa própria divindade.


"Eä Eru i estaina ná Ilúvatar Ardassë,
ar ónes minyavë Ainur i ner i híni sanweryo,
ar ner yo së nó ilúvë né ontaina.
Ar ten quentes, antala ten lammar lindalëo,
ar lirnentë, ar së né alassëa.

Nan andavë lirnentë ilquen erya
ecar pitya nótessë [sina lúmessë] ar hosta lastainë,
nan ilquen hanyanë minyavë sanwi Ilúvataro
yallon tulles, ar handessë nossento
palyanentë nan úlintavë.
Nan oi lúmessë ya lastanentë, entë tuller antumna handenna,

ar vanessë lindalento palyane
ar tulles marta sa Ilúvatar tultanë Ainur eryenna
ar quente ten taura lírë pantala ten analt'
ar analcarinquë or ya nó westanes
ar i alcar yesseryo ar i rille mettaryo elyaner Ainur,
yanen cawnentë ar carnentë úlamma..."

(fragmento do Ainulindalë em Quenya)


Namárië.

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23 de mar. de 2007

A moral da história.

É possível se contar uma história sem moral? É possível sequer se conceber uma narrativa que seja não moral, ou onde uma personagem possa ser realmente não moral? Se isto for possível, so o é em um Conto da Terra Encantada (e, insisto, a tradução é FaërieTale e não FairyTale) e tratar-se-á de uma das mais fabulosas demonstrações de Sub-Criação* e mesmo Meta-Sub-Criação*.

Estou sendo muito incompreensível?
Então vamos tentar esclarecer as coisas...


Toda moral é um código, uma estruturação, de valores. Valores são afirmações feitas a respeito de idéias, atos, objetos, pessoas e quaisquer elementos que se possa perceber. Quando se diz "o gato é bonito", se está fazendo uma afirmação de valor. Quando se diz "eu estou achando este texto um saco", esta é também uma afirmação de valor. Do mesmo modo, dizer que tal coisa é certa ou errada, ou que tal idéia ou coisa é boa ou ruim, são afirmações de valor (assim como dizer que alguma coisa existe ou mesmo que não-existe). Sobre estas afirmações de valor, de certos e errados e "melhores que" e "piores que", se constrói uma moral. E não é que haja tantas "morais" assim, pois uma grande quantidade de afirmações de valor são tão entranhadas em nossas culturas que nem sequer sabemos que as levamos em nossas cabeças. Logo, podemos discutir se o aborto é "bom" ou "ruim" e, dependendo de nossos valores, este será "moral" ou "imoral" (contrário à moral). Por outro lado, se eu questionar a validade da afirmação de que "esta tela é real" ou mesmo da afirmação de que "você é real", você pode me achar interessante, curioso, completamente maluco ou achar que ando lendo livros demais sobre física quântica, mas dificilmente esta afirmação estará em discussão para você (a não ser que você seja tão maluco ou maluca, ou quântico, quanto eu).

Pois bem, para encurtar uma explicação que pode ser muito longa, a partir de uma estrutura de valores se tece uma moral. Há quem diga que a moral é a própria estrutura de valores, mas isso não importa agora. O que importa é que, uma vez que existe uma ou várias moralidades, dado que existem valores e eles se estruturam sempre de alguma forma, torna-se então possível afirmar que não há nada que não esteja de alguma forma contemplado, seja positiva ou negativamente, pela moralidade. Posto isso, qualquer afirmação (e uma narrativa é construída de afirmações) carrega em seu seio uma enorme dimensão moral.

Se eu digo que "John pegou uma pedra e a jogou em Michael", isso não tem, a princípio, uma implicação moral, não é? não é!? Mas é claro que tem! Logo de cara temos um ato que, dentro de uma estrutura moral, pode ser considerado certo ou errado. Na maior parte das vezes a "observação moral" desta afirmação dependerá, ou poderá ao menos ser modificada, por outras afirmações ligadas e complementares a ela como, por exemplo, "John jogou a pedra pois Michael estava fugindo com sua carteira". Note a quantidade de questões morais (é certo jogar pedras nos outros? é certo jogar pedras em pessoas que tentam roubar suas carteiras? é certo roubar carteiras? um erro justifica o outro? o calor do momento, ou as emoções, justificam um erro? etc...) contidas apenas neste conjunto de duas afirmações. Será possível então escrever uma história não-moral?

Vamos tentar aprofundar um pouco mais esta questão (ou, se estiver cansado ou já estiver convencido de que não é possível escrever uma narrativa não-moral, pode pular para o último parágrafo). Vamos nos esforçar mais para buscar ao menos uma única afirmação não moral. Algo como "a pedra está no chão". Vejam! Uma afirmação sem nenhum conteúdo moral, certo? Não é!? Err... acho que não foi desta vez que conseguimos também. Pode-se dizer que não há a princípio nenhuma questão que "pareça" moral envolvida nesta afirmação. Mas vamos olhar um pouco mais para a pedra e ver se não há aí nenhum valor envolvido. Antes de mais nada, o que é uma pedra? Sem precisar entrar em definições muito complexas, uma pedra é um objeto basicamente não-vivo (ou assim convencionamos acreditar) que e feito de... bem... de algum tipo de rocha. Mas no fundo isso não é uma pedra. Isso é apenas um nome (valor) e uma definição que o conceitua (mais valores) atribuídos àquele objeto. A mesma coisa vale para chão e até para a idéia de "estar" (sim, lá vamos nós para mais Metafísica Qualitativa Pirsiguiana!). Mas o que tem a ver isso com a moral? É aí que está o ponto! Lembram-se de que a moral é uma estruturação de valores? Se o nome é um valor, e eu estou usando naquela afirmação ao menos dois nomes (pedra e chão), além do conceito de estar, então afirmar que a pedra está no chão é uma reiteração (ainda que "au-passant") da "validade" destes nomes e deste conceito enquanto formas de se expressar o fenômeno sobre o qual estou afirmando. Tá muito complexo? Agora que chegamos até aqui, dá para simplificar. Ao dizer "a pedra está no chão" eu estou dizendo que existe uma pedra, e que ela pode ser chamada assim, e que existe um chão, e que ele pode ser chamado assim, e que uma pedra pode estar no chão, a partir do momento que estou afirmando que ela "está no chão". Weeew... que maluquice, duende! Pode ser maluquice, mas são afirmações perfeitamente razoáveis. Eu poderia questionar (e esta seria uma daquelas coisas que parecem inquestionáveis, pois estão incutidas em nossa percepção de mundo, mas que na verdade tanto podem ser questionáveis quanto vem sendo questionadas pela física quântica), por exemplo, que exista tal coisa como uma pedra. É! Eu posso! E agora você não vai ter só que afirmar que a pedra está no chão. Vai ter que me convencer de que há tal coisa como uma pedra para que ela possa estar ali no chão. A mesma coisa vale para o chão. Você afirmou que há um chão (e isso é um valor: "chão existe", uma vez que algo pode estar "no chão"). Agora vai ter que arcar com as consequências. Prove que existem pedras, chão, e, por fim, que uma pedra PODE simplesmente ESTAR no chão. Mas não precisamos discutir nada disso se você quiser apenas afirmar que "a pedra está no chão", assim como afirmar que "John pegou a pedra e a jogou em Michael" ou que "Mary teve seu filho pois considerava um absurdo realizar um aborto". Mas você há de convir agora que estas três afirmações são profundamente carregadas de conteúdo moral (e que eu posso ser um imoral por isso, mas eu posso questioná-las enquanto afirmações de valor que são). E agora podemos, então, concluir que é IMPOSSÍVEL se escrever uma narrativa sem conteúdo moral?

Postas todas estas coisas, temos então que ficar atentos à moral de cada uma de nossas afirmações (e isso não apenas quando estamos escrevendo histórias ou fábulas). Cada afirmação carrega em seu seio uma enorme quantidade de consequências, e se as mesmas passam completamente desapercebidas no cotidiano, o mesmo não se dá quando se está construindo uma narrativa. Cada pequena afirmação utilizada na construção da história diz muito não apenas sobre o mundo que está sendo sub-criado, mas também sobre o olhar que você ora lança sobre ele (e partilha com o leitor). Quando se está escrevendo uma história, seus olhos são os olhos do leitor e seus ouvidos são igualmente partilhados mas, sobretudo, uma parte "a priorística" do seu juízo de valores também acaba sendo emprestada. O leitor pode exercer seu senso crítico a respeito daquilo que consegue enxergar, mas não a respeito daquilo que você já julgou e valorou antes dele. Desta forma é dado ao contador de histórias não apenas moldar um mundo e povoá-lo de personagens e histórias, mas também enfocar todo este ecossistema dinâmico com a luz de seu olhar narrador de forma a dar a ele tal ou qual nuance desejar. Cria-se vilões e heróis (e estes dois entes são elementos feitos de moral da cabeça aos pés, mesmo que não tenham cabeças ou pés), direitos e regras, premiações e punições naturais, e tudo isso pode acontecer por debaixo do tapete vermelho que você estende ao leitor, ou mesmo por debaixo do seu próprio nariz. Quando digo que ao escrever dizemos muito sobre nós mesmos, não estou falando apenas das nossas escolhas temáticas e de histórias, ou das dimensões morais mais aparentes. Estou dizendo que, ao emprestar seus olhos e ouvidos e tudo mais ao leitor, você está emprestando uma parte das janelas da sua alma e, inevitavelmente, das lentes que usa para enxergar o mundo sub-criado ou revelado a você. Estas são coisas que se deve ter em mente ao escrever. Toda história tem uma moral ou, mais do que isso, toda história é construída inteiramente de valores, moral e (com um pouco de imaginação, arte e fantasia por parte do contador) de um bocado de magia. É necessário se ter muita responsabilidade e atenção quando se utiliza a magia da criação...



Tudo isso me faz pensar que, na verdade, tudo neste universo é submetido à moral (ou às moralidades várias). Mas disso qualquer leitor de Pirsig já sabe...

Ou vocês também querem que eu explique? :)


Acho melhor voltar à minha fábula.
Espero que este enorme post sirva a alguém.

---
* Por mais que eu tente, nunca consegui achar um link ou texto sequer que explique estes conceitos de forma razoável. Por fim acabei escrevendo um eu mesmo, que pode ser lido seguindo a palavra hyperlinkada, ou clicando aqui.

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22 de mar. de 2007

a sua arte combate ou só faz show?

Sacando do bolso um trecho de Trégua, do Lixo Extraordinário:
"(...)Nem na nata, nem na draga
nem na sarjeta
nem pose, nem passeata
que eu sei toda a reza
a tua arte combate ou só faz show?(...)"

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Colocando os pensamentos no lugar...

"A cabeça está em greve, reivindicando espaço:
o campo energético mínimo de cada pensamento.
Cansando-se de ser um ônibus lotado,
revoga o dever de assentar os primeiros face ao direito
de assentar os últimos e os do meio.

Uma vez que apenas os pensamentos convenientes
estejam devidamente acomodados,
(fechadas as portas àqueles que não são simpáticos)
roga, ainda, o exercício da legítima defesa:
jogar janelas à fora os pensamentos vãos.

Um corredor vazio é também coisa que anseia.
Tendo, os pensamentos à beira de explosão,
comodidade para ir ao banheiro.
Tendo, os pensamentos transviados,
caminho livre atá o vestiário,
para trocarem roupa, nome, seios,
sexo, time, país, emprego, religião.(...)"
(trecho de Greve Geral, poesia da adorável Jubalize, moça que conheci acendendo um cigarro sentada à janela e concluindo que o tesão é a coisa mais importante da vida, enquanto gatas de almofada se refestelavam em suas almofadas, querendo mais atenção do que tudo mais...)


A minha cabeça também anda balançando perigosamente por aí, como um ônibus cheio demais. Os pensamentos por vezes caem pela janela e são deixados para trás, esquecidos em meio à balbúrdia de seus semelhantes. Na cabeça cheia demais, todos os pensamentos são pardos. Falta cor, porquê falta luz e ar, e todos sofrem de uma suave anóxia -- eu e meus pensamentos -- quando a cabeça está cheia demais. Mal consigo pensar. Mal consigo sorrir. Mal consigo ser, quando minha cabeça está tão lotada de pensamentos gritando por atenção que mal consigo decidir o que faço primeiro. Isso não é coisa que se faça consigo mesmo.

FORA VOCÊS TODOS, PENSAMENTOS!

Pronto... agora voltem a entrar, um por um, em fila indiana. Vou escolher quais de vocês são bem vindos e quais devem procurar outro caminho.

Pensamentos sobre histórias encantadas -- entrem por favor. Sentem-se à janela. Podem acender um cigarro, mas tentem não incomodar os pensamentos sérios das cadeiras mais de trás.

Pensamentos sobre trabalho, podem entrar, mas não fiquem no caminho dos outros. Há espaço para todos, e se alguém estiver atrapalhando a viagem dos outros passageiros, terá que descer. Sim, isso também se aplica a vocês. Pensamentos como vocês eu posso encontrar a qualquer momento, em qualquer ponto de ônibus desta vida. Vocês são muito banais!

Pensamentos sobre a saudade que sinto de minha Brasília quadradinha, seca e cheia de belezas subterrâneas podem entrar. Podem também entrar todas as outras saudades, mas por favor, vão para o fundo do ônibus. Sentem-se lá no fundo, por favor. Não quero vê-los o tempo todo. Basta que estejam aí.

Pensamentos sobre meu ativismo sejam bem vindos. Sentem-se à esquerda e tentem não chamar a atenção do motorista a todo momento. Falem somente o essencial e serão atendidos. Incomodem-me e terão que descer. Não achem que são mais valiosos do que realmente são.

Pensamentos tolos, sejam bem vindos, mas também não atrapalhem a viagem dos demais. Não sentem-se atrás nem ao lado dos pensamentos encantados, e nem dos pensamentos de trabalho. É, vocês podem sentar-se lá atrás, junto com as saudades, se conseguirem se entender bem. Talvez façam uma bonita amizade.

Pensamentos raivosos de mágoas antigas familiares, acho que termina aqui a viagem de vocês. Não. Não os quero mais. Vão embora.

Pensamentos desnecessários e preocupações, eu me lembrava de ter dito em outra ocasião que não os queria mais. São inúteis! Vão fazer algo de útil desta vida, como virar soluções. Se algum de vocês resolver virar uma solução em vez de apenas um problema, serão bem vindos no próximo ponto...

Pensamentos sobre o futuro podem viajar de pé, já que são tão apresados. Mas não deixem suas bagagens pesadas baterem na cabeça dos outros pensamentos.

Pensamentos de solidão, eu os deixo ficar só desta vez, mas vão ter que se socializar com os outros.

E quem são vocês? Que outros pensamentos são estes que estão na fila? Não... não são bem vindos, nem os conheço! Vão embora! Então era isso -- meu problema era, pra variar, com os pensamentos penetras que entram sem serem apercebidos quando se tem a cabeça como um ônibus lotado e desorganizado.

Estamos prontos agora?
Motorista, siga a viagem. E que seja uma boa viagem agora.


Vou andar na praia para ver algo belo e não racional. Já consigo pensar um bocado quando não tenho que pensar em nada...

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Seaside, de Ernesto Diniz

Saindo um pouco do Mundo Encantado para admirar a prosa burlesca, adorável e quase ludicamente sacana, de Ernesto Diniz.
"Eu queria acreditar que pegar um ônibus até a faculdade me levaria a um mar de possibilidades, mas não é bem assim que me sinto num calor beirando os quarenta graus; talvez alguém dentro daquele mesmo ônibus, tão caloroso e nada positivo sentisse diferente; talvez essa pessoa fosse para o aeroporto: aí então haveria um mar de possibilidades; mas eu estava no ônibus, indo para a faculdade com poucas possibilidades à mão, sem querer muito conversar com uma menina do meu lado, de franja rosa – e eu aposto que ela gosta de pelo menos duas dúzias de bandas que começam com “the”, igualzinha a mim. Acho que ela não iria se importar se eu tocasse sua coxa, num movimento bem sacana; e eu iria deixar os óculos escuros escorregarem até o meio do nariz e voltar os olhos a ela e não dizer absolutamente nada e nesse momento quase radiante, quando ela, sentindo um acréscimo de estima por ela mesma e um tilintar especial correndo sua espinha e ficar entre o escândalo e a permissividade, talvez me dissesse um sim sem nenhuma palavra ou segurasse minha mão e colocasse seu classificador repleto de anotações sobre a biologia marinha por cima de tudo, para nos esconder e aí me mostrasse onde realmente começava o seu oceano particular: entre sua calcinha e suas coxas, entre os seus pêlos pubianos e o acento tão desgraçado do ônibus.(...)"
Eu também gostei muito do resto deste conto, mas se você quiser ler, vai ter que ir lá no Brutti, Sporchi e Cativi, onde o Ernesto escreve toda quarta-feira.

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lições de fabulista, escritor de encantos...

Por falar em histórias encantadas, foi uma verdadeira pedrada na cabeça ler ontem a parte dos escritos de Tolkien (em seu "Sobre Histórias de Fadas") a respeito de sua definição e delimitação deste tipo de história. Não apenas ele consegue mostrar porque este tipo de encanto se restringe à literatura (estando perdido para o teatro, mesmo para o teatro shakespeareano), como também mostra muito claramente que em uma história encantada ou sobre o reino encantado não são os seres humanos que são o objeto central, e se o são, com suas percepções e emoções, não se trata então de uma história encantada.

Além disso Tolkien fala que a literatura de Fantasia (palavra a qual delimita magistralmente como o fluxo da Imaginação Subcriadora para a Arte) é um tipo de literatura à parte, que não se deve valer dos artifícios artísticos literários e deve se mergulhar na expressão do encanto. Isto é, que o escritor e seu ego saiam da frente, com todas as suas firulas e jogadas de palavras, e deixem que o puro encanto subcriado ou natural do Mundo Encantado tomem o centro do palco e da visão do leitor. Fabulistas devem ser então, os mais humildes dos escritores. Todo aquele encanto não os pertence, e embora sejam por eles trazidos à existência através de seu elevadíssimo poder de subcriação.

Depois de limpar a ferida, eu percebo que isso faz um enorme sentido. Acho que agora vou conseguir ficar em paz e escrever... do jeito que eu sabia lá no fundo, o tempo todo, que deveria ser.

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The Chronicles of the Faerie: The Summer King



"The Summer King is a haunting, absorbing, and lavishly told tale set in both present day Ireland and the world of Fairy.

Laurel, an 18-year old girl who is grieving the death of her twin sister Honor, returns to Ireland and the scene of her twin's death to try and find out who killed her sister. While the devastated family thinks it was an accident, Laurel, armed with her sister's puzzling journals, believes her sister was led into something unsavory. She finds, in addition to other disturbing entries, odd references to little people, in particular one little man. She's also starting to be plagued with dreams.

Upon arrival in Ireland, Laurel finds her old boyfriend Ian Grey, who she was with the day her sister died, still nursing hurt that she had left him. She blamed him for her not being there to save her sister. These young people have lots of angst and passion to work out and that alone could fill a book, but wait: There's the small matter of a cluricaun, something like a leprechaun but a little darker. This little guy reminds me of a small Bacchus, always toting around his poteen and pissing drunk when he's not lying through his teeth.(...)"

Uma história encantada com conflitos emocionais, passada na Irlanda e onde aparece um cluricaun safado? Eu QUERO este livro! :D

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20 de mar. de 2007

Início da segunda fase do Manual de Auto Publicação para Músicos e Músicas Indenpendentes

Falando de coisas mais alegres agora (enfim!), hoje, dia 20 de março, começa a segunda fase de produção do Manual de Auto Publicação de Músicos e Músicas Independentes, que vinha sendo até agora gestado e discutido neste tópico do Forum de Conversas sobre Cultura do Overmundo. O Manual segue as propostas levantadas neste post feito no Overblog do mesmo Overmundo, além de tantas outras excelentes propostas e colocações feitas na discussão do Forum.

A partir de hoje começa o trabalho prático de elaboração e redação do Manual, com a colaboração de todos os participantes da discussão que se mostraram interessados em participar desta fase dos trabalhos. Se você se interessa pelo tema, nunca é tarde para aparecer por lá, dar uma olhada nos papos (por favor, leia as conversas antes de falar) e se juntar ao grupo.

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Os dias sem norte

"Não me lembro que em que dia, mês ou ano. Lembro que estava muito frio, talvez julho, talvez 2001.
Foi de manhã, o telefone tocou, meu marido atendeu e eu imediatamente começei a chorar, ninguém teve que me dar a noticia, eu sabia que meu pai tinha morrido.
Também não me lembro de como fui parar no chuveiro, como a minha mala ficou pronta e nem como em instantes estava no aeroporto indo para São Paulo. Não sei como uma viagem de uma hora e meia durou só 5 minutos.
Quando desembarquei não sabia se tinha que ir para algum lugar ou se alguém ia me buscar. Por alguns momentos fiquei parada em pé com a mala na mão. Foi aí que vi a Elza Soares, me sentei do lado dela, baixei minha cabeça e esperei.
"
(extraído de uma blogada da Mariana no blog Idéias Estranhas, de PH e as Peixoto)
Estava decidido a só pensar em coisas alegres hoje, mas uma concessão se faz justa e necessária a esta blogada da Mariana Peixoto. Conheci a ela, suas irmãs, sua família, inclusive o pai referido no texto (a quem eu achava um cara muito bacana) quando era ainda um moleque de uns 6 ou 7 anos. Só isso, ler sobre a partida de alguém conhecido por quem tínhamos apreço ou sobre as emoções que se amontoam nestes momentos, já me tocaria o bastante. Mas o fato é que este texto me faz também lembrar do meu próprio dia sem norte, quando meu pai também tomou seu rumo para outra parte de sua viagem neste ou em outro universo.

Lembro-me que já sentia que o dia estava estranho e frio desde seu início. Não havia dormido em casa, esticando uma soneca no sofá de um outro amigo depois de sua festa de aniversário. Também não havia ido trabalhar. Jogara Tagmar por toda a tarde, numa sessão de RPG que não me divertiu em nada. Sim, sentia que o dia estava estranho, mas achava que era só a depressão eventual causada pela ressaca do dia anterior. Quando, depois de outras errandas pela cidade de Brasília, cheguei à casa de um velho amigo artesão de fantasias, sentia-me particularmente estranho. A pequena festa que lá se desenrolava, com risadas femininas estridentes e partidas de algum jogo de tabuleiro obscuro do qual não me lembro, iluminadas por abajours antigos, não me interessava em nada. Ainda, eu não ia para casa. Continuava lá, encostado no sofá, fingindo que ria.

Quando o telefone tocou, não sei se senti algo estranho ou se já era a estranheza que sentia o tempo todo que se fazia mais sentida -- não me lembro mais. Quando meu irmão me disse ao telefone que meu pai havia passado mal e estava hospitalizado, tentei me animar dizendo que ele já havia sobrevivido a um infarto antes, mas por fim perguntei se ele estava morto. Meu irmão disse que não, mas naquele momento sentí que ele estava. Me levantei e fui até a sala vazia da casa. Meus ouvidos zumbiam um pouco, e eu tentava relembrar de toda a preparação que havia imposto a mim mesmo nos últimos anos -- uma preparação para lidar com aquele momento fatal e inevitável. Sentia-me sereno, mas ao mesmo tempo anestesiado. Falei com as paredes e com a escuridão da sala como se falasse com meu pai, racionalizando que se ele não vivia mais naquele corpo que me concebeu e me abraçou, vivia agora então em todo lugar. Disse-lhe que podia ir, que seu ofício de criar seus filhos estava bem concluído, e que seguiríamos em frente. Não sabia se falava a verdade ou se mentia para tranquilizar o espírito de meu pai que partia. Sabia que descobriria com o tempo. Descobrí.

Quando cheguei em casa, pouco tempo depois, sem me lembrar também ao certo como tinha chegado até lá, mesmo assim não conseguí chorar. Havia roupas espalhadas pelo corredor da casa que sempre fora tão arrumada quando meu pai era vivo. Roupas espalhadas de pessoas que haviam se vestido com pressa frente à emergência. Aquele era mais um sinal de que aquela não era mais a casa de meu pai. Meu pai nunca permitira roupas jogadas no chão do corredor de sua casa. Mesmo assim, eu não conseguia chorar.

Sentia que havia muito a se fazer, mas não sabia o quê. Previdente, liguei para tirar da cama um velho e confiável amigo a quem recrutei para me ajudar naquele momento. Sabia que poderia precisar. Não confio, nem nunca confiei, em qualquer semelhança de infalibilidade de minha parte, e naquele momento alguém tinha que não falhar. Ele já estava a caminho quando desligou o telefone. Sentei-me então em frente a meu computador e mandei um email para uma ex-namorada, dizendo a ela que estava muito equivocada se algum dia achara que eu era fraco ou covarde. Sentia naquele momento uma pontada de rancor por esta injustiça, proferida por ela dias antes, e agora que sabia que era e tinha que ser forte, não podia continuar deixando aquela acusação sem resposta. Descarreguei tudo o que podia naquele email que, assim como o dia, também não tinha norte. Ela nunca me respondeu, mas pelo que me consta ainda acha que sou um cara legal.

Quando ouvi a campainha, pouco depois de terminar meu rancoroso email, fiz uma prece silenciosa aos velhos Deuses para que fosse meu amigo -- antes de minha família. Não sei se os Deuses olham com mais carinho para os órfãos, mas naquele momento me atenderam. Sem alegria ou cumprimentos, meus amigo se juntou a mim na espera nervosa e silenciosa pelo que vinha pela frente. E então, eles vieram. A chave girava vacilante na porta, e eu já podia ouvir os gritos e o choro desconsolado de todos. Por um segundo pensei para comigo mesmo um silencioso "ai meu saco, agora é que vai ser a parte chata", e isso me fez me sentir desprendido da situação. E então minha família irrompeu em um luto que parecia ser paradoxalmente estranho ao meu pela sala de casa. Enquanto se amontoavam pelos sofás e cadeiras, encontrei meu irmão em meio à balbúrdia sofrida que nos cercava. Ele tinha uma lágrima nos olhos. Nunca havia visto meu irmão chorar antes. Nos abraçamos apertados e fizemos uma jura abafada de lealdade eterna um ao outro. Acho que foi alí que derramei a minha primeira lágrima da noite, mas sabia que em algum lugar meu pai sorria orgulhoso. Seus filhos estavam realmente moldados com aquilo que ele mais valorizava: o amor e a lealdade fraternal. É claro que isso foi também uma sentimentalidade, mas a quem acaba de perder o pai é dado todo o direito para qualquer ato sentimental.

Foi um dia sem norte, aquele dia de morte. Mas foi também um dia de renascimento. Naquele dia eu soube do que eu era feito. Eu era, e sou, feito de Louzada e Costa Carvalho, meu pai, minha mãe, meus irmãos, e tudo que todos eles tentaram manter em mais alta conta durante todas as suas vidas até então. Perdera meu pai, mas ganhara em troca um pouco mais de mim mesmo. Era igual a todos, e estava de pé quando todos achavam que o jovem e frágil Daniel desabaria. Alí, eu fiquei de pé.

Valeu por tudo, meu pai.
Aquilo que você não me deu em vida, você me propiciou quando se foi. Naquele dia eu aprendi que era capaz de lidar -- de um jeito ou de outro -- com qualquer coisa, contanto que não me deixasse assustar demais. Foi naquele dia de 1998, e nos dias que vieram depois, que eu comecei a virar homem, mesmo sendo até hoje e eternamente um menino que vive com um pé no Mundo Encantado.

Graças aos Deuses.

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"quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência..."

Paulo Leminski

All work and no play makes Jack a dull boy.

19 de mar. de 2007

Reflexão de um Cluracão que levanta da cama para escrever.

"Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia? O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura; e nela então o humano do homem se refugia."
(Clarice Lispector in Tempestada da Alma, 1974)
Tudo mais poderia ser feito por uma máquina, menos isto. Menos ser humano e escrever...

Este blog tem uma média de 7 visitas diárias. Espero que ao menos uma ou duas delas leiam o que escrevo. Dois leitores em um dia já seria o bastante. Mas, o bastante para quê? Para quê se escrevem blogs como este? Para quê se escreve? Para quem?

Que me leiam ou não. Que me entendam, ou não. Tudo que escrevo está escrito. Tudo que está publicado, está solto no mar da rede. Que os anos e o Google se encarreguem de trazer até aqui algum náufrago ou alguma sereia que, um dia, entenda estas palavras. De resto, nada mais me cabe fazer ou esperar -- apenas escrever.

Quem espera se frustra, quem quer tem que buscar. Mas buscar o quê? Ser lido? Não. Ser lido não depende em quase nada de mim. Cabe a mim escrever, ser escrito. A mim cabe apenas viver. Que caiba aos outros também viverem suas vidas e, se os anos e o Google e a sorte e a vontade ajudarem, quem sabe, me ler e me entender.

Mas não preciso tanto assim ser entendido. Só preciso ser escrito.
Estou me escrevendo. Você me lê?

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18 de mar. de 2007

"Les chats"

Olho à minha volta procurando aquela gata. Não posso perder ela agora... Desde que a vi, gata perdida entre os blocos, eu a quis. Fico atento a cada movimento, cada sombra. Esse jogo de perseguição, tão antigo, é um tesão. Não posso perder ela agora! Desde que cruzamos nosso olhos nesta noite, eu soube que ela também não queria ser perdida por mim. Ela quer ser desejada, perseguida, alcançada e tomada. Eu vou achá-la! Ah, se não vou...

Corremos como bichos entre blocos. Ora eu a deixava ganhar distância, ora ela se escondia para que eu a achasse. Este é o nosso jogo. Eu a perdi depois daquela curva e... Não, ela está ali! Meus pêlos se eriçam quando vejo seu corpo longo e ágil correndo. Minhas pernas se esticam na corrida, minha vontade se alongando a cada passada. Cruzamos dois blocos, um estacionamento, um parque -- correndo, correndo, as coisas passam rápido por mim -- até que a alcanço. Sinto sua respiração cansada sob meu toque pesado, combinando com a minha. Nossas peles se encontram com força quando pulo -- vencedor -- sobre ela. Rolamos sobre a grama seca. Ela é minha gata eu sou o gato dela agora. Sobre a grama, entre os blocos, sob o céu e tudo mais, me coloco dentro dela. Alí roçamos e cheiramos, lambemos e gememos... e gememos... gememos.

Uma janela se abre sobre nós. Alguém grita um xingamento. Gente! Odeio gente! Uma pedra de gelo que é jogada em minhas costas e estraga tudo. Isso dói! Alguém joga cubos de gelo sobre nós e nos chama de gatos safados, grita que quer dormir... Corremos por instinto de sobrevivência, em busca de abrigo do perigo, para lados contrários. De meu esconderijo sob um carro posso ver o gelo derretendo sobre a grama que esquentamos. Posso ver a janela sendo fechada e alguém que ruma de volta para o sono entediado. Posso ver a noite se esgueirando sobre o para-choque do carro, mas não posso ver a minha gata. Nós nos perdemos, então, nesta noite...

Mas eu ainda vou achá-la! Ahh, se não vou!

Porra! Será que estes macacos não entendem o tesão?


Um contículo zooantropomórfico escrito na casa de um amigo nos idos de 2004, e publicado originalmente no Alriada Express em 20 de agosto de 2004.

Eu adoro gatos.

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Elegia ao Grande Todo (poesia de 1994)

Vou-me embora e volto com a noite,
essa minha grata companheira separável.
Selados estarão nossos destinos, então.
Verdadeiros guerreiros seremos ao nascer do dia!
Do Grande Todo teremos todas as partes,
de tua alma terei o vislumbre
e aos meus espíritos irmãos saciarei.

Fica comigo esta tarde
e vamos ver o sol fugir com medo do escuro.
Vomos virar a cortina do sonhar pelo avesso!
Estando vivos, morreremos, para renascer mais um pouco.
Estando aqui, iremos embora, apenas para voltar.
Que o vento do outono sopre este frio
e desnude a paisagem do negro pó da mentira.

Dancemos à nudez do próximo e à inteireza de nossa carne,
festejemos com cânhamo e álcool à nossa ebritude,
façamos das trevas refúgio de um pouco de delícia.
Então o tempo construirá pontes com o nosso gozo,
construirá estradas e vícios com nosso sangue, enfim...
Fica comigo esta tarde
e fuja com o sol se conseguir.

Daniel Duende, 05.10.1994
(com adaptações em 30/08/2004 e hoje)

Publicada originalmente no Alriada Express em 30/08/2004.

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16 de mar. de 2007

Revisão colaborativa da parte 4 de O Cavaleiro e o Dragão

Depois de publicado e em edição no Overmundo, a parte 4 de O Cavaleiro e o Dragão recebeu as sugestões afinadas do generoso escritor e jornalista gaúcho Adroaldo Bauer. Encantado não apenas pelo quanto estas colocações me ajudaram, mas sobretudo pela beleza do processo de revisão colaborativa digitalmente mediada, resolvi postar um "retrato" do processo de revisão que se seguiu.

O primeiro parágrafo original da quarta parte da fábula, como foi publicado, era assim:
"Marcos não se lembrava de que a vida podia ser tão estranha e ao mesmo tempo tão entediante. Os dias passavam como uma paisagem desbotada pelo sol que passa pela janela de um ônibus. As noites, escuras e vazias, não eram diferentes. Ele ainda não tinha certeza de que não estivesse vivendo algum sonho ruim do qual não sabia acordar. Sonhos eram, aliás, uma coisa que ele não tinha mais certeza de saber o que eram. Por muitos dias achou que estaria enlouquecendo e tentava se concentrar na vida que acreditava ser boa antes. Mas, enfim, qual era a sua vida antes? Metade dele acreditava que um dia sonhara ser outra pessoa em outro lugar e este sonho o torturava. A outra metade não via sentido nisso tudo. E assim ele ia vivendo.(...)"

Adroaldo apresentou então um exercício de seu próprio punho, sugerindo uma versão diferente do parágrafo para materializar suas sugestões:
"Marcos não lembrava que a vida podia ser tão estranha e ao mesmo tempo entediante. Os dias pareciam paisagem que passa pela janela de um ônibus, desbotada pelo sol. As noites, escuras e vazias, não eram diferentes. Ele ainda não tinha certeza de que não estivesse vivendo algum sonho ruim do qual não sabia acordar. Sonhos, aliás, não tinha mais certeza de saber o que eram. Por muitos dias achou que estaria enlouquecendo e tentava se concentrar na vida que acreditava ser boa antes. Enfim: qual era a sua vida antes? Metade dele acreditava que um dia sonhara ser outra pessoa noutro lugar e este sonho o torturava. A outra metade não via sentido nisso tudo. E assim ia vivendo.(...)"

Lendo e relendo as duas versões, e comparando-as, resolvi modificar o parágrafo inicial da fábula de uma forma um pouco mais radical (embora ainda conservando todos seus elementos originais). A versão que fiz ficou, então, assim:
"Marcos não lembrava que a vida podia ser tão estranha e ao mesmo tempo entediante. Os dias passavam como paisagem na janela de um ônibus, tostados no vento seco e no sol; imóveis e inócuos. As noites, escuras e vazias, eram iguais. Ele não tinha certeza de que não estivesse vivendo algum sonho ruim do qual não sabia acordar. Sonhos, aliás, não tinha mais certeza de saber o que eram. Por muitos dias, achou que estava enlouquecendo. Tentava se concentrar na vida que, acreditava ele, deveria ter sido boa antes. Mas que vida era essa? Ele não sabia. Não estava certo de saber de mais nada. Metade dele acreditava que um dia sonhara ser outra pessoa noutro lugar, e este sonho o torturava. A outra metade não via sentido nisso tudo. Não via sentido em nada. Mesmo assim seguia vivendo, enquanto a paisagem inerte e tostada dos dias desfilava triste.(...)"

Seguem as conversas. Vou aproveitar este post para fazer um relato deste trabalho colaborativo (e, portanto, updates virão). O resultado final desta revisão a quatro mãos poderá ser visto, espero, na versão que irá a votação no Overmundo da fábula em fragmentos O Cavaleiro e o Dragão, parte 4.


p.s. o blog literário de Adroaldo Bauer chama-se Retorno Imperfeito. Vale a pena dar uma olhada nos quitutes literários que lá se encontram.


UPDATE:
Adroaldo me sugeriu ainda agora, por email, que trocasse a frase final do primeiro parágrafo, que era "(...)Mesmo assim seguia vivendo, enquanto a paisagem inerte e tostada dos dias desfilava triste.(...)" por "(...)Mesmo assim seguia vivendo, enquanto aquela paisagem desfilava triste.(...)". Gostei da sugestão, e já vou utilizá-la na versão do texto que estou revisando, e que vai ser atualizado no post do Overmundo em breve.

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15 de mar. de 2007

A quarta parte de O Cavaleiro e o Dragão foi publicada no Overmundo.


"(...)Ela tinha os cabelos negros e desiguais,
os dentes um pouco tortos, talvez meio pontiagudos demais.
Sorria de uma forma estranha e tinha um olhar desconcertante,
penetrante como o de um predador(...)"


Estamos entrando em uma das partes que mais gosto do primeiro arco de O Cavaleiro e o Dragão. Redescubro o prazer que tive ao escrevê-lo ao me entregar ao processo de revisão. Tenho fome de escrever mais. Mal vejo a hora a me dedicar à continuação desta fábula (sem contar a vontade que me dá de retomar o Delianárra ou, ainda mais, o "Garotos que dormem tarde".)

Mas chega de papo...
Reproduzindo o texto-teaser do post lá do Overmundo:
Então começa o que parece ser o primeiro teste de Amarath. Ou será que era tudo um sonho, ou é tudo um pesadelo?

Confio que você, leitor, já deva ter lido a primeira, a segunda e a terceira parte desta fábula em fragmentos. Sem tomar então mais do seu tempo, vamos ao início da quarta parte de O Cavaleiro e o Dragão.

"Marcos não se lembrava de que a vida podia ser tão estranha e ao mesmo tempo tão entediante. Os dias passavam como uma paisagem desbotada pelo sol que passa pela janela de um ônibus. As noites, escuras e vazias, não eram diferentes. Ele ainda não tinha certeza de que não estivesse vivendo algum sonho ruim do qual não sabia acordar. Sonhos eram, aliás, uma coisa que ele não tinha mais certeza de saber o que eram. Por muitos dias achou que estaria enlouquecendo e tentava se concentrar na vida que acreditava ser boa antes. Mas, enfim, qual era a sua vida antes? Metade dele acreditava que um dia sonhara ser outra pessoa em outro lugar e este sonho o torturava. A outra metade não via sentido nisso tudo. E assim ele ia vivendo.(...)"

Leia a quarta parte de O Cavaleiro e o Dragão na íntegra, no Banco de Cultura do Overmundo.

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Mais um dia.

Acordado cedo demais pela desajeitada boa vontade alheia. Leitoso demais para o sol que arde lá fora. Indisposto demais para o trabalho...

Debruço-me sobre meus escritos, para tentar ao menos deixar a quarta parte de O Cavaleiro e o Dragão publicável.

Assim começa mais um dia.

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mais sobre a Princesa Desencantada

Embora ora relute e ora não tenha tempo de verter a história em palavras, a nova fábula da Princesa Desencantada vive e cresce dentro de mim. Antes vertida em um só fôlego, a história da princesa que descobre a verdade por trás de suas ilusões torna-se agora uma história dividida em cinco partes, e ganha ainda anotações para uma possível continuação.

As cinco partes, cinco subtítulos que marcam as fases da fábula, surgiram quase que por encanto enquanto me recontava a história ontem pela manhã. "A filha do rei", "A protegida do senhor da guerra", "A mulher do príncipe", "A dama das estradas" e "A rainha da lama" (ou "A rainha das pulgas", ainda não me decidi ao certo) formam um continuum, e servem de um elemento que significa ainda mais as palavras que abrem a fábula.
"(...)De todos os meus tesouros, aqueles pelos quais tinha mais apreço eram as minhas ilusões. Eram estas também as que me traziam a maior infelicidade, embora perdê-las tenha sido um dos golpes mais profundos que havia recebido desde então. Sangrei desta ferida ao longo da estrada que me trouxe até aqui. Mas como toda chaga, esta também termina por secar, mesmo que seja na morte. Nada tenho mais, nem tesouros nem chagas, nem a mim mesma. Nada além da história que narrarei. Desta também quero agora me livrar, no momento em que a entrego a vocês, para que façam dela o uso que bem quiserem. Só quando nada mais tiver, serei livre para finalmente ter o único tesouro que nunca soube ter -- A minha felicidade, que há de ser simples como toda felicidade deve ser. Mas foi sem simplicidade alguma, mas repleta de riquezas e posses e as ilusões que as acompanham, que minha história começou(...)"
A cada vez que olho para esta introdução, mudo alguma ou muitas coisas. Não contem então com nada daquilo que os estou contando. A Princesa Desencantada é uma história tão mutante em busca de sua forma que ainda não consegue se agarrar a qualquer meio físico. Mas ela está aqui... bem aqui... dentro do meu mundo.

Digo mais quando houver mais a dizer.


UPDATE:
A verdade é que a fábula é tão simples e ao mesmo tempo tão complexa, tão linear e ao mesmo tempo tão cheia de significados subentendidos, que nunca fico satisfeito com as palavras que escolho para contá-la...

Tá ainda me faltando culhão, mais do que tempo e vontade, para escrever a versão final de A Princesa Desencantada.

Ok, falei...
Agora alguém me paga uma cerveja ou me faz um cafuné?

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14 de mar. de 2007

fragmento de "Uma casa morrendo"

"(...)Rosa está em silêncio. Olha para a televisão como se ela não estivesse lá. Suspira profundamente, quase que com um susto. Olha para o sol que espreita pelas persianas fechadas da sala. Está tão abafado! Levanta-se e caminha até a janela. A onda de luz que invade a sala quando as persianas são levantadas é física, faz balançar o corpo leve de Rosa. Ela olha para a rua lá fora. Carros passam devagar, e tudo parece silencioso neste amanhecer de domingo. Rosa volta a sentar-se. Não vê mais a televisão, ou a poeira no ar. Rosa tem um vislumbre da infância, brincando na rua de pedras desiguais. Lá ela também vê o sol, mas ele ilumina toda uma vida que ainda a esperava pela frente. Agora Rosa já sabe como é viver uma vida inteira. O barulho de um prato quebrando na cozinha a desperta por um momento. Rosa sente uma certa tristeza de ter sido trazida de volta de sua infância. Suspira novamente, devagar e com dificuldade, enquanto os raios de sol dançam.

Pegar os cacos do prato quebrado é um esforço que Emílio preferia não fazer. Mas, quem mais iria fazê-lo agora? Varre todos os cacos para o canto com a vassoura escura, e abaixa-se então para reuní-los no bojo da pequena pá de lixo. Os fragmentos de louça fazem barulhos desarmônicos suaves enquanto são arrastados pelo chão, para sobre a pá. Caminha até o cesto de lixo na área de serviço e despeja os cacos. Caminha de volta até a pia. Sente-se cansado, os joelhos doem mais. Termina de lavar a louça. Volta para a sala. Rosa parece dormir, com a cabeça que pende suavemente para trás e para o lado no sofá estofado com rosas cor de creme. Emilio olha para os raios de sol dançando no chão de taco. Respira fundo e sente-se repentinamente muito tranquilo. Sente uma presença familiar, ainda assim profundamente estranha. O cheiro de rosas no ambiente dá a ele um recado que ele não sabia qual era, mas que entende prontamente. Olha novamente para Rosa, e entende então que o momento chegou.(...)"
Um trecho de um de meus contos malquistos, chamado "Uma Casa Morrendo".

Como este conto claustrofóbico dificilmente verá a luz em breve, resolvi deixar que respire um pouco, ao menos em parte, por aqui...

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encantamento do rei coxo

Ergo a taça e brindo ao espelho.
Tomo do veneno meu que é bálsamo,
meu suco virente, medicina potente
tão mortal e tão espesso, tão raro.

Os corcéis que cortam a mata
procuram por mim naquela terra.
A outra, a que não se pode ter,
aquela terra que me ama...

Brindo à noite quente e ausente
com minha taça de bile e vinho raro.
Sou o senhor de todas as minhas
bençãos, de todas as maldições...

Nu sob o manto, elevo-me
Sei bem de minha linhagem
e de toda a extensão de mim.
Meu desdém é espada afiada.

O rei dos tolos só se curva a si mesmo.
Mas, ainda que claudicante,
um rei patético é ainda um rei.
Admirem vosso rei coxo e cheio de amor escuro.

Admirem a ridícula supremacia
da doce imperfeição humana.
O rei é uno com a terra, é filho do céu.
O rei é o reflexo inexorável de seu reino.

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reflexões de um herói cotidiano...

"Vi seu corpo tremendo, sacudindo involuntariamente, enquanto seus olhos verdes arregalados fitando o nada lacrimejavam sem parar, a boca entreaberta, os dentes cerrados e a língua se enrolando por detrás deles, obstruindo o ar. Primeiro tive de enfiar meu dedo em sua boca com força. Fui mordido num dos machucados de percussão. Então a impedi que fechasse de novo fazendo-a morder um lápis. Nessa altura, ela estava respirando com tanta dificuldade que começou a ficar roxa, o corpo serenamente desligando. Aquele esmeralda desconhecido virando vidro desolado, como a areia do deserto depois de uma explosão nuclear. Pensei que ia morrer nos meus braços, me vi em choque diante do corpo dela resfriado no meu colo, incapaz de reagir contra si mesmo. Eu a dei um abraço e aí ela desengasgou da baba que estava em sua garganta. Pouco a pouco, cessou a tempestade em sua carne. Outras pessoas ajudando, buscando socorro, um rapaz veio e carregamos andar acima a moça pra que no sofá se recuperasse. O tempo seguiu, veio família, vizinhos, ambulância, veio gente. O pai dela disse que a garota é difícil, não toma o remédio, dorme mal, não se cuida. Afastei-me de tudo aquilo e fiquei contemplando o céu..."
(Retirado do Blog do DPadua)

A vida é tão louca...
E passamos tanto tempo olhando para coisas tão abstratas, sem perceber os problemas reais e as belezas reais deste mundo...

Enxergar a verdade e agir parece mesmo ter virado coisa de herói cotidiano. E são muitos que andam por aí, anônimos, já que as capas e cuecas por cima das calças já saíram (ainda bem) de moda há muito tempo...

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13 de mar. de 2007

Trois Couleurs ROUGE



uma piada particular,
por muitos motivos.

para todos os efeitos, é puro nonsense...

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12 de mar. de 2007

O umbigo de Ernesto Diniz

Como ele mesmo diz:
Ernesto Diniz, 28 anos, soteropolitano, possui memória seletiva sem critério, escreve em blogs desde 2000. Vive uma espécie de síndrome do não-pertencimento misturando algo entre Caio Fernando Abreu e Walt Whitman (?). Descobriu cedo os efeitos nocivos da kriptonita para o trabalho árduo de salvar o mundo, mas obteve redenção após ingressar em uma universidade federal e fazer carreira de estudante (a qual, afirma ele, é finita e encontra-se em franca decadência). Vive prometendo que morará fora, numa cruzada em busca da Pasárgada perdida (muito embora não conheça nenhum rei, nem súditos, dada sua anti-sociabilidade branda). É pesquisador em Tradução Intersemiótica e fala de Shakespeare como quem fala das novas tendências da música indie-pós-punk-neo-electro-rock-tropicália (aforismos somente no chuveiro). Ama as árvores, sândalo, avelã, cultura celta e ainda firmará morada no País de Gales.


Ernesto é um daqueles artistas geniais que zanzam pela rede, sendo vez por outra descobertos meio por acaso por nós (sempre com a sensação de que poderíamos tê-los descoberto antes se fôssemos menos preguiçosos). Sua prosa é direta, honesta, densa e meio claustrofóbica sem abrir mão do bom humor negro como guimba de cigarro.

Não sei ao certo porquê, mas recebia quase toda semana emails que me convidavam a ler o trabalho do cara nos sites e blogs onde ele publicava. Não me lembro como o cara me achou. Sei ainda menos porquê não fui lê-lo antes, mesmo com todo o meu discurso de se dar atenção ao pessoal que se auto-publica. Talvez tenha sido pura preguiça e uma eventual descrença de que coisas tão boas podem estar assim, se oferecendo em nossos emails. Tolo eu. Muito tolo...

Só de ler um pouco de seu trabalho, já sei que vai virar mais um de meus blogueiros de cabeceira. Seu "Resumo da Criação do Mundo", uma bem humorada metáfora vagamente apoiada no Gênesis bíblico para o renascimento que é o despertar depois de uma noite de seguidas coisas loucas, é simplesmente delicioso. O renascimento depois da ressaca e da semi-amnésia alcoólica como uma metáfora para... para o quê? Para o que for, para tudo ou para nada, sei lá... Não é necessário se elaborar sobre as metáforas do texto. É coisa que quem conhece, sabe como é. E Ernesto conhece, pelo visto. Conhece tão bem, que sabe enxergar a piada e a profunda dimensão existencial por trás de manhãs como estas. Mais do que isso, ele sabe muito bem que não adianta tomar banho... a nossa vida tá grudada na pele.

Longa e boa vida ao cara e sua obra (e boa sorte em seu sonho de ir parar no País de Gales)...

O novo blog do Ernesto, "O botão mais difícil de abotoar", fica logo aqui.

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11 de mar. de 2007

Preguiça de escritor

Pior do que o bloqueio de escritor e a falta de tempo é a preguiça de escritor. Quando você sabe a história que quer contar, tem tempo para escrever e mesmo assim não escreve por pura preguiça... é hora de descansar, ou então de tomar mais vergonha na cara.

O procrastinador acha que é amigo do tempo, mas o tempo pensa diferente...

Vai escrever, Duende!

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Cerveja e piadas sem graça...

O post sobre piadas "singelas" do Marmota fez-me lembrar da saudade que eu sinto de meus velhos comparsas de Brasília. Fazem falta para muitas coisas, inclusive para tomar uma cerveja honesta e despreocupada e descerebrada, contando piadas sem graça...

Deixa a vida seguir. Vamos ver onde ela vai dar...

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10 de mar. de 2007

o (DOCE!) lanche da madrugada...

Coloco leite no copo, antes mesmo de pensar qual será seu acompanhamento. Abro o armário em busca de algo -- não há achocolatado em pó ou mesmo açúcar. Olho em volta, pensando gravemente que vou ter que beber o leite puro. E então me lembro de fuçar a geladeira e, por fim, encontro... Karo!

Já beberam leite com Karo? Fica interessante, mas acredito que não vá repetir a façanha...

É doce demais até para as formigas.

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9 de mar. de 2007

A terceira parte de O Cavaleiro e o Dragão já está no Overmundo...

-- Eu sou um filho das montanhas e do céu, desta terra e de duas outras também. Eu existo pois me é dado existir, e eu faço o que me é dado fazer. Sou descendente da serpente da terra e afilhado do senhor dos ventos e tempestades. Eu tenho um nome, mas apenas um nome deste lugar sairá, e será o seu. Ou portaremos ele juntos, ou apenas a mim ele caberá, assim como tua carne e tua vida. Disse o dragão, em um tom solene que deixou sua voz parecida com o ruído de um trovão ecoando dentro de uma caverna.
(um trecho da terceira parte de O Cavaleiro e o Dragão)

Uma das delícias de um fabulista é contar suas fabulosas histórias sobre a Terra Encantada, seu povo e sua magia. O Cavaleiro e o Dragão, uma velha fábula à qual eu não dava mais o devido crédito, é um exemplo simples (e longe de ser perfeito) deste tipo de história.

Para aqueles que gostam do que eu escrevo, vale a pena dar uma olhada na Primeira, na Segunda e (agora) na Terceira partes de "O Cavaleiro e o Dragão", publicadas no Banco de Cultura do Overmundo.


Update:
Como era difícil encontrar uma imagem ou foto decente licenciada em Creative Commons para ilustrar minhas fábulas. Por sorte me lembrei que o site do Creative Commons tem um sistema de busca (que integra com o Google e com a busca do Flickr, entre outros) para encontrar material licenciado em CC. E então, ao me lembrar disso, ficou tudo bem mais fácil. É engraçado como alguns problemas parecem realmente difíceis até você pensar em uma solução óbvia para eles, não? Isso também é matéria de fábulas...

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O parto gonzo de uma overmatéria sobre um show...

Enquanto pedia um autógrafo no CD recém-lançado e recém-comprado da MarthaV, falei para ela, meio sem pensar, que iria escrever uma matéria a respeito do show. O quê? Esse lance de pedir autógrafo é coisa de fã babão? Porra nenhuma! Se eu comprei um CD no show de seu lançamento e a mocinha estava lá para autografar o CD, é claro que eu não perderia a chance de tornar um pouco mais humano o meu disquinho prateado cheio de músicas dentro de uma caixinha de plástico. Bem, voltando à matéria prometida, logo depois pensei que era óbvio que eu tinha mesmo que escrever uma matéria a respeito daquele show. Não pela sua importância intrínseca para a música independente do Rio de Janeiro (e toda apresentação honesta de arte não é então importante?) ou por ser particularmente diferente de qualquer outro (e todo show não é diferente de qualquer outro, e não é isso mesmo que o torna especial?), mas porquê eu não me sentia bem quando cheguei lá, e naquele momento me sentia muito bem depois de tanta música e animação e energia.

Levando a sério minha promessa antes impensada, comecei a pensar imediatamente sobre o que iria escrever. Algumas idéias vieram chacoalhando dentro da minha cabeça no ônibus de volta para casa, e tão logo sentei na frente do computador, ainda meio bêbado, comecei a escrever uma matéria bem pessoal a respeito do show -- um relato pessoal da experiência de estar naquele show. Quando a matéria ficou pronta, olhei para ela como se fosse um monstro, mas pensei que poderia ajeitá-la pela manhã e depois publicá-la. Aproveitei o embalo para mandar um email para a assessoria de imprensa (ou algo que o valha) que era apresentada no site da MarthaV, no qual perguntava sobre alguns detalhes que não havia memorizado sobre o show. Eram perguntas simples, como o setlist e a formação da banda, incluindo as participações especiais, e o nome da música do Legião Urbana da qual ela fizera um cover bacana pra caramba com o arranjo de Paranoid Android do Radiohead. Coisas que toda matéria que se preze a falar de um show deve incluir...

Na manhã seguinte, sentei-me na frente do computador para ajeitar a matéria e me deparei novamente com um monstro. "Como? Não posso publicar isso aqui! Olha essas frases quilométricas com dez vírgulas! Olha essas declarações absolutamente impulsivas!". Deixei a matéria de lado, me prometendo dar um jeito nela depois que as informações solicitadas chegassem. Não chegaram, e não olhei mais para a matéria até o dia seguinte. Nova manhã, nova tentativa de ajeitar a matéria, ainda na esperança de conseguir transformar aquilo em alguma coisa menos parcial, menos "o mundo como eu o vejo e pronto!". Sem muito sucesso. Era como se eu não soubesse escrever outras palavras a respeito daquele show, e a matéria começou a me incomodar. Gravei-a em um .txt e desisti dela, já que ao que parecia a assessoria de imprensa da baixinha não havia me dado a menor bola também. Por quê diabos então eu iria escrever sobre aquele show, se eles mesmos não estavam nem aí? Deixei a matéria de lado e fui cuidar do (muito) trabalho que tinha a fazer.

Outro dia se passou, e o email da Martha me dizendo que ia publicar suas músicas no Overmundo (como eu a havia sugerido na conversa que tivemos depois do show) me deixou ainda mais incomodado. No email ela perguntava sobre a matéria e eu, meio bêbado no momento em que abrí o email, não sabia como explicar que havia desistido da matéria por ter sido ignorado por sua "assessora de imprensa" (o que no fundo era apenas uma desculpa para mim mesmo) ou, pior ainda, simplesmente porque sabia que a matéria estava boa e não conseguia modificá-la, mas mesmo assim não estava com coragem de publicá-la pois esta era totalmente fora daquilo que, não sei por quê cargas d'água, eu achava que ela deveria ser (o que era o motivo real). Resolvi então dizer que havia quase desistido de publicar a matéria, mas que iria deixar de ser escorpiano birrento e publicá-la. Novo mergulho então na matéria, e mais corta-e-cola-e-apaga-e-ajeita, sem mudar muita coisa além de detalhes. Lá estava eu com quase a mesma matéria que havia escrito 4 dias antes, um pouco melhorada talvez, e com a decisão de publicá-la.

Foi então que me veio um estalo, uma voz dentro da cabeça, daquelas que aparecem para nos salvar quando resolvemos tornar tudo muito mais complicado do que realmente é: "Porra, duende! esta matéria tá a sua cara! Tá a cara do Overmundo! Tá a cara de toda a sua proposta de que não é possível expressar nada senão a sua sensação e a sua experiência das coisas, tem tudo a ver com o que você estava sentindo quando saiu do show! Tá com vergonha de publicar porquê, seu idiota?". É tão bom quando a gente puxa a própria orelha, não é mesmo? Dei uma última passada de olhos na matéria, adicionei alguns links a mais e pronto, publiquei. O alívio que senti depois me fez perceber o quanto estava incomodado o tempo todo em cobrar de mim mesmo escrever uma coisa, escrevê-la e depois ficar fazendo birra para publicá-la. Percebi que mesmo quando estava tentando fazer alguma coisa, por algum motivo aquela matéria estava lá, engasgada na minha cabeça, e não me deixava me concentrar totalmente em mais nada. Uma vez escrita, a matéria tinha vida própria, personalidade, e queria ver a luz do dia. Estava nela tudo que eu queria dizer, e se alguma coisa não foi dita é porquê eu não queria dizer nada além do que disse. E foi um alívio ter colocado ela no ar. Espero que o povo goste, mas se não gostar, ao menos eu sei que eu falei a verdade e escrevi uma matéria tão honesta quanto o show que a MarthaV fez naquele domingo. É isso.



E por quê estou falando disso tudo? Sei lá. Talvez porque seja um relato que fala muito sobre mim mesmo para mim e para quem quiser ler e entender. Talvez porque este seja meu blog e aqui eu falo o que achar relevante falar. Talvez porque eu tenha mania de me explicar demais de vez em quando. Ou talvez, apenas talvez, seja minha forma bizarra de fazer propaganda para a matéria.

Bem... está lá...

"MarthaV é um Tesão", no Overmundo.

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7 de mar. de 2007

Opiniões de um rato de sebo.

Estou tentando cultivar o hábito de comprar ao menos um livro de um autor que eu ainda não conheça a cada vez que entro em um sebo, para assim alargar um pouco mais meus horizontes literários. Na última destas visitas, além de comprar um livro da minha querida Clarice Lispector (Onde Estivestes de Noite) e outro do mestre Rubem Fonseca (A Coleira do Cão, de 1963), comprei também "O Reino das Cebolas" de Cintia Moscovitch e "Pubis Angelical" de Manuel Puig (apesar da torcida de nariz dada pelo Cláudio do sebo Mar de Histórias ao me ver comprando estes últimos dois títulos).

Onde Estivestes de Noite dispensa (mais) comentários. A prosa de Clarice é, no mais das vezes, impressionantemente boa. O mesmo se pode dizer de Rubem Fonseca, com seu texto direto, cativante e profundamente humano e simples. Já de Cintia Moscovitch, tenho que me segurar para não falar impropérios. Enquanto isso, Manuel Puig foi apenas uma decepção (tendo em vista que uma grande amiga havia me recomendado muito bem este seu livro).

A prosa de Cintia Moscovitch é ininteligível quando tenta ser original e simplesmente ruim quando tenta ser inteligível. Seu experimentalismo não convence, e passa a impressão de que ela é apenas mais uma escritora que acha ser muito mais do que é. Talvez seu texto ainda possa melhorar com o tempo (assim como o meu ainda precisa melhorar MUITO antes que eu ache que está minimamente bom), mas o que vi em "O Reino das Cebolas" é algo que eu não classificaria nem sequer como regular. Resumindo, achei Cintia Moscovitch uma escritora sofrivelmente ruim. Não consegui sequer terminar de ler seu livro, pois lutava a cada página contra o impulso de jogá-lo pela janela. Me pergunto como diabos este livro quase ganhou o Prêmio Jabuti.

Manuel Puig, por sua vez, merece palavras bem mais brandas e doces, embora não muito condescendentes. Seu "Pubis Angelical" não chega a ser um livro ruim, pelo que percebi. Não é ruim, mas não chega também a ser bom. Existe uma aridez, um algo de profundamente desinteressante, em seus personagens. Os diálogos entre Ana e Beatriz e Ana e seu diário nos primeiros capítulos do livro são um bocado sem pé nem cabeça, e as reflexões de Ana na cama do hospital (psiquiátrico) são até convincentes, mas não me chamaram a atenção em nada. Em suma, Pubis Angelical não é um livro que eu leria até o fim, e muito menos recomendaria. Mas ainda tenho esperança de que Manuel Puig tenha escrito algo melhor, pois vejo que o cara tem qualidade e sabe escrever (na maior parte do tempo).

Agora é hora de fazer outra visita ao sebo. Espero ter mais sorte com os próximos "desconhecidos".


Update:
Na esperança de que um livro tão bem falado por tantas pessoas possa eventualmente ser bom sem que eu tenha notado, vou tentar ler o Pubis Angelical até o fim. Manuel Puig parece ser um cara respeitado (e respeitável) o bastante para merecer uma segunda chance. De qualquer forma, até o momento, não retiro nada que eu disse (além de, talvez, que "o Pubis Angelical não seria um livro que eu leria até o fim").

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6 de mar. de 2007

os manteigas derretidas

E o coração mole do Marmota me fez chorar, coração mole que também sou, com seu post-relato chamado "o primeiro beijo que não dei."

Taca pedra no Marmota!

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o Caderno do Cluracão faz um mês...

Eu nem havia me apercebido disso antes mas, enquanto tentava fazer os malditos FeedFlares dos posts aparecerem descobri que o primeiro post do Caderno do Cluracão é datado de 6 de fevereiro.

Logo, feliz um mês para meu blog de artes e culturas...
Aeeeeeeê! \o/

Pronto.
De volta ao trabalho...

Contador de histórias

É quando conto histórias e crio encantos
que eu faço sentido. Não sou mais do que um homem
em busca da realização da sua natureza e da sua obra.

Há quem cante e há quem conte.
Há quem minta e há quem sinta.
Há quem não esteja em lugar nenhum.
Há quem esteja espalhado por todo o lugar.
Há quem não consiga se encontrar.
Há quem não queira mais se encantar (e desencantar)

Eu sou só um contador de histórias.

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estrada real

Que não achem eles
que por estar perdido
não sou mais dono de mim.

Que não pensem eles
que por não saber onde vou
não sou mais dono de meus passos.

Que não se confundam
as dores de alguém querendo renascer
com a encenação do amor à dor.

Cada um conhece o caminho,
cada flor e espinho, montanha e rio
da estrada de volta para casa.

Todos eles querem ser reis,
mas não querem caminhar até o castelo
com os pés descalços e os olhos abertos.

Todos eles querem ser reis,
mas não querem despir a fantasia.
Por baixo dos mantos, todo rei é nu e humano.

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