25 de jul. de 2007

Leituras e "A Gramática dos Silêncios"

Tenho mergulhado em leituras interessantes. Das "Palavras Andantes" de Galeano, emprestado de minha doce companheira, à releitura de trechos de vários livros lidos há muito ou pouco tempo, como a trilogia do Senhor da Guerra (de Bernard Cornwell), o Abarat de Barker e o "World of Tolkien" de David Day. A vontade de escrever, e as imagens e fragmentos ansiosos para ver o mundo, borbulham dentro de mim. Quando encontrar um momento, escreverei.

Mais do que tudo, tenho mergulhado na gramática dos silêncios e no universo do indizível. Além de qualquer história que possa ser contada, as histórias que se vive -- aquelas que são além das palavras -- são o que inflama as fogueiras da alma de um poeta. Por causa delas tenho cada dia mais vontade de escrever...

A vida não é fácil, mas tenho vivido encantado pela Dádiva.

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29 de jun. de 2007

As cinco obras que marcaram.

Mais um daqueles memes muito difíceis de responder...

O Viktor Navorski do Abre Parêntese me incluiu no meme que lhe foi "imposto" inicialmente por André Miranda (do Zine Acesso). É claro que por pura e amorosa maldade os meus indicados para respondê-lo são o Paulo Bicarato, meu querido copoanheiro do Alfarrábio.org, a Luana Selva (que está de blogue novo no imaginários.net), a libélula Tati Zengzung (também moradora do imaginários) e o mano véio companheiro de divagações e aventuras Daniel Pádua (que é o zelador-crocante da casa imaginária e, claro, tem um blogue por lá).

Agora que já passei a dor de cabeça em frente, está na hora de tentar escolher cinco -- Os cinco -- entre os livros que tanto me marcaram. Vamos fazer assim: vou responder sem pensar muito, tudo bem? Os livros que mais me marcaram e ainda hoje fazem sentido para mim (em nenhuma ordem especial, exceto a da memória) são:

  • O Caso Morel, de Rubem Fonseca (mais uma vez, não apenas pela trajetória humana de Paul Morel, mas também pela aula de escrita que Fonseca nos dá neste e em tantos outros de seus livros.)

É claro que vários livros maravilhosos ficaram de fora, mas são duas horas da manhã e foi assim que eu quis responder a este meme agora. Se pudesse citar um sexto livro, ou talvez um sétimo, acho que eu acabaria citando o Bukowski.

Tudo é uma questão de momento. A vida é feita deles, afinal.

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25 de abr. de 2007

The Silmarillion - Unwin Books Paperback Edition

the silmarillion - unwin books pocket version

Os dias continuam corridos...

Sorte que nem todos os grandes livros (e os mais encantadores) são também necessariamente grandes em tamanho. Alguns, graças aos bons Deuses, cabem em qualquer bolsa e em qualquer momento. Este é o meu querido e cheiroso (pois eu adoro cheiro de livro velho) exemplar de O Silmarillion. Custou cinco reais no Mar de Histórias, mas não tem preço para mim. Tolkien é seguramente um dos maiores fabulistas de todos os tempos (e um dos maiores escritores em língua inglesa também).

Desculpem o post de ostentação, mas é uma homenagem necessária a um grande livro e um pequeno companheiro.

Abraços do Verde.

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24 de mar. de 2007

Subcriação: poder divino e essência do fantástico, da imaginação e da realização/realidade.

Há algum tempo estou não apenas me preparando para escrever este texto, mas também sentindo uma grande falta dele como substrato para dar um pouco mais de sentido a tantas de minhas reflexões. Vamos, neste post, tentar jogar alguma luz sobre o complexo e absolutamente fascinante conceito de Subcriação elaborado (ou revelado) por J.R.R.Tolkien, que não apenas ilumina a arte da narrativa fantástica como lança também sua luz sobre a dimensão divina do ser e sobre algumas descobertas da física quântica.

Para começar, e tentar colocar em poucas palavras o que toda a literatura Tolkeniana apenas começou a explicar, vamos tentar criar um esboço de definição do que é a Subcriação:

Subcriação é o poder de conceber, com o uso da imaginação e da manipulação quase mágica da linguagem (idéias e conceitos), uma dimensão outra de realidade, com entidades várias, cuja existência é conjurada unicamente pela capacidade de imaginação do ser. Trata-se de conjurar a existência de algo antes inexistente, ou antes inexistente naquela forma, pela pura capacidade de imaginá-lo e experienciá-lo em sua imaginação. Assim concebido e trazido à realidade (mesmo que apenas a uma realidade secundária), este ente passa a existir e deve sua existência unicamente ao poder imaginador (subcriador) de seu imaginante.


Admitindo que minha definição foi um bocado canhestra, e talvez não muito clara, vamos às palavras de um dos mais hábeis subcriadores de nosso mundo a respeito da Subcriação. Nas páginas 28 e 29 de seu "Sobre Histórias de Fadas"(edição brasileira da Conrad, de 2006), Tolkien fala um pouco sobre a Subcriação:
"(...)A mente humana, dotada de poderes de generalização e abstração, não vê apenas grama verde, mas discriminando-a de outras coisas (e contemplando-a como bela), mas vê que ela é verde além de ser grama. Mas quão poderosa, quão estimulante para a própra faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou mágica do Belo Reino é mais potente. E isso não é de surpreender: tais encantamentos de fato podem ser vistos apenas como uma outra visão dos adjetivos, uma parte do discurso numa gramática mítica. A mente que imaginou leve, pesado, cinzento, amarelo, imóvel, veloz também concebeu a magia que tornaria as coisas pesadas leves e capazes de voar, transformaria o chumbo cinzento em ouro amarelo e a rocha imóvel em água veloz. Se era capaz de fazer uma coisa, podia fazer a outra, e inevitavelmente fez ambas. Quando podemos abstrair o verde da grama, o azul do céu e o vermelho do sangue, já temos o poder de um encantador em um determinado plano, e o desejo de manejar este poder no mundo externo vem a nossa mente. Isso não significa que usaremos bem esse poder em qualquer plano. Podemos pôr um verde mortal no rosto de um homem e produzir horror, podemos fazer reluzir a rara e terrível lua azul, ou podemos fazer com que os bosques irrompam em folhas de prata e os carneiros tenham pelagens de ouro, e pôr o fogo quente no ventre do réptil frio. Mas numa "fantasia", tal como a chamamos, surge uma nova forma: o Belo Reino vem à tona, e o Homem se torna subcriador.

Assim, um poder essencial do Belo Reino é o de tornar as visões da "fantasia" imediatamente efetivas através da vontade. Nem todas são belas, nem mesmo salutares, certamente não as fantasias do Homem decaído. E ele maculou os elfos que têm esse poder (em verdade ou em fábula) com sua própria mácula. Este aspecto da "mitologia" -- a subcriação, não a representação ou a interpretação simbólica das belezas e dos terrores do mundo -- é muito pouco considerado, em minha opinião.(...)"

O que Tolkien está nos apresentando neste e em tantos outros trechos desta de outras de suas obras é que a própria faculdade de imaginar algo, rearranjar-lhe a natureza ou as características, ou mesmo sua relação com o universo que o cerca, é em si só um ato de criação cujas consequências são admiráveis e fantásticas. É a própria faculdade de subcriação, o poder de criar com a imaginação, que Ilúvatar concede aos Ainur no Ainulindalë de O Silmarillion -- onde descreve a criação e a primeira era da Terra Encantada de (que significa, em élfico, "isso é" ou "deixa ser" -- palavras de Ilúvatar que realizaram a subcriação ainuriana), onde se desenrola numa era posterior a sua famigerada saga d'O Senhor dos Anéis.

Ao fundir ou, mais do que isso, identificar o poder subcriador do fabulista e do contador de histórias encantadas com o poder dado por Ilúvatar aos Ainur no Ainulindalë, Tolkien está fazendo uma afirmação discreta e refinada, mas profundamente poderosa -- a de que o poder da subcriação é o que nos torna deuses (como o fez com os Ainur). Da mesma forma Tolkien narra no mesmo Ainulindalë que Ilúvatar teria dado aos elevados Ainur o poder e o privilégio de nomear aquelas coisas que criaram, e que estes nomes passariam a ter um enorme poder, pois tornariam-se parte da criação -- o que não é senão um mito do surgimento da linguagem, a qual é, enquanto elemento organizador de idéias e conceitos, uma ferramenta fundamental à própria faculdade subcriadora. Em um outro trecho de "Sobre Histórias de Fadas" Tolkien também faz uma breve elaboração sobre linguagem e mitologia, quando diz:
"(...)A opinião de Max Müller, a visão da mitologia como "doença da linguagem", pode ser abandonada sem remorso. A mitologia não é nenhuma doença, porém pode adoecer, como todas as coisas humanas. Da mesma forma alguém poderia dizer que o pensamento é uma doença da mente. Estaria mais próximo da verdade dizer que as línguas, em especial as européias modernas, são uma doença da mitologia. Mas ainda assim a linguagem não pode ser descartada. A mente encarnada, a língua e o conto são contemporâneos em nosso mundo.(...)"

Posto isso, Tolkien coloca a linguagem e o mito como elementos inseparavelmente entrelaçados, de modo que geram e devoram um ao outro em seu próprio ciclo e, a meu ver, dá a entender (como se confirma em vários outros trechos) que o mesmo processo que de uma forma gera linguagem e mito, também gera a narrativa fantástica (esta, irmã do próprio mito) e toda a invenção humana -- e tudo isso é fruto e, ao mesmo tempo, matéria prima do divino poder da subcriação.

Dando mais um ousado passo à frente, é possível conectar a idéia de subriação aos mais arrojados conceitos da física quântica, nos quais o Universo só existe pois está sendo não apenas observado, mas moldado pela imaginação e pela percepção. Dando às mãos a Tolkien e Fred Alan Wolf (que maravilhosa companhia!) podemos chegar à conclusão de que não apenas o poder da subcriação é a essência de toda a arte, linguagem e fantasia, mas também o elemento que molda o universo à imagem e semelhança de nossas banais ou ousadas imaginações. Posto isso, somos todos criadores (ou, mais corretamente, subcriadores, senhores do rearranjo livre da realidade) -- deuses -- e a "chama secreta" que deu a existência a brilha no coração de todos nós.

Este é um dos motivos pelos quais eu digo com ORGULHO que eu sou um contador de histórias. Isso é uma reafirmação da nossa própria divindade.


"Eä Eru i estaina ná Ilúvatar Ardassë,
ar ónes minyavë Ainur i ner i híni sanweryo,
ar ner yo së nó ilúvë né ontaina.
Ar ten quentes, antala ten lammar lindalëo,
ar lirnentë, ar së né alassëa.

Nan andavë lirnentë ilquen erya
ecar pitya nótessë [sina lúmessë] ar hosta lastainë,
nan ilquen hanyanë minyavë sanwi Ilúvataro
yallon tulles, ar handessë nossento
palyanentë nan úlintavë.
Nan oi lúmessë ya lastanentë, entë tuller antumna handenna,

ar vanessë lindalento palyane
ar tulles marta sa Ilúvatar tultanë Ainur eryenna
ar quente ten taura lírë pantala ten analt'
ar analcarinquë or ya nó westanes
ar i alcar yesseryo ar i rille mettaryo elyaner Ainur,
yanen cawnentë ar carnentë úlamma..."

(fragmento do Ainulindalë em Quenya)


Namárië.

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22 de mar. de 2007

lições de fabulista, escritor de encantos...

Por falar em histórias encantadas, foi uma verdadeira pedrada na cabeça ler ontem a parte dos escritos de Tolkien (em seu "Sobre Histórias de Fadas") a respeito de sua definição e delimitação deste tipo de história. Não apenas ele consegue mostrar porque este tipo de encanto se restringe à literatura (estando perdido para o teatro, mesmo para o teatro shakespeareano), como também mostra muito claramente que em uma história encantada ou sobre o reino encantado não são os seres humanos que são o objeto central, e se o são, com suas percepções e emoções, não se trata então de uma história encantada.

Além disso Tolkien fala que a literatura de Fantasia (palavra a qual delimita magistralmente como o fluxo da Imaginação Subcriadora para a Arte) é um tipo de literatura à parte, que não se deve valer dos artifícios artísticos literários e deve se mergulhar na expressão do encanto. Isto é, que o escritor e seu ego saiam da frente, com todas as suas firulas e jogadas de palavras, e deixem que o puro encanto subcriado ou natural do Mundo Encantado tomem o centro do palco e da visão do leitor. Fabulistas devem ser então, os mais humildes dos escritores. Todo aquele encanto não os pertence, e embora sejam por eles trazidos à existência através de seu elevadíssimo poder de subcriação.

Depois de limpar a ferida, eu percebo que isso faz um enorme sentido. Acho que agora vou conseguir ficar em paz e escrever... do jeito que eu sabia lá no fundo, o tempo todo, que deveria ser.

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22 de fev. de 2007

... as he were of faierie

"...His croket kembd and thereon set
A Nouche with a chapelet,
Or elles one of grene leves
Which late com out of the greves,
Al for he sholde seme freissh;

And thus he loketh on the fleissh,
Riht as an hauk which hath a sihte
Upon the foul ther he schal lihte,
And as he were of faierie
He scheweth him tofore here yhe..."

Trecho de uma poesia de John Gower (se não me engano, Confessio Amantis) que, segundo Tolkien em seu On Fairy-Stories (in Tree and Leaf, 1947), seria o primeiro registro escrito da palavra Fairy, ou Faërie. Mas estas duas palavras não querem dizer a mesma coisa, no fim das contas. Faërie é um lugar, traduzido pelo próprio Tolkien (que, lembremos, foi um dos maiores estudiosos das línguas anglo-saxônicas do século XX) como Fair Kingdom, ou o "Belo Reino" (A própria palavra Fair -- belo -- teria em sua origem o Faierie médio-inglês), ou Enchanted Realm, ou "Reino Encantado". Por sua vez Fairy poderia ser traduzido, a princípio, como a palavra para designar os habitantes, ou um tipo de habitantes, deste reino. Parece natural que a primeira referência ao lugar tenha surgido na língua inglesa antes da referência a seus habitantes, mas muitos tradutores confundem o penúltimo verso da poesia, traduzindo-o como "...as he were a fairy" ("como se ele fosse uma fada") mas não foi isso que Gower escreveu. O original "...as he were of faierie" se traduz literalmente como "...as he were of faërie" ("como se ele fosse de faërie/da terra encantada"), até porque a frase ficaria sem nexo ao ser traduzida como "...as he were of fairy" ("como se ele fosse de fada"). Logo, em seu primeiro registro escrito, a palavra não se refere a um ser ou pessoa, mas a um lugar -- O Lugar.

Pequenas (ou enormes) confusões como estas fizeram com que a palavra Faërie fosse quase completamente eclipsada na língua inglesa pela sua derivada Fairy, sendo inclusive confundida muitas vezes com um sinônimo ou grafia alternativa desta. Desta terrível forma, os seres encantados foram simbolicamente desprovidos de sua origem (e portanto de sua essência, e então de seu poder e magia) e confinados em um sem-lugar obscuro do mundo (ou pior, apenas do imaginário) do Homem. Até mesmo na wikipedia este engano é cometido, o que não chega a ser uma surpresa, infelizmente.

Não são as fadas ou seres encantados, mas é a Terra Encantada, que define essencialmente os Contos de Fadas (fairytales). Ou, melhor ainda, deveríamos sempre chamá-los de "Faërietales" (Histórias da Mundo Encantado), mas que não fazemos pois simplesmente não sabemos, muitas vezes, que esta diferença (e que esta terra) existe. Ainda segundo Tolkien (e eu concordo totalmente com ele), o que define as Histórias de Fadas ou Histórias do Reino Encantado é a Magia. Magia esta que é inerente primeiro à Terra Encantada, onde faz parte da natureza, e por conseguinte de seus habitantes, por serem parte desta natureza. É desta forma que, ao se perder a palavra (e portanto até mesmo a idéia essencial) da Terra Encantada, privamos os filhos desta terra de sua magia, ao transformá-los em uma parte misteriosa e alienígena de nosso próprio mundo (o qual também privamos dia a dia de toda a magia).

Na língua portuguesa, a questão é ainda mais séria. Não há, a princípio, uma palavra em nossa língua para designar a Terra Encantada. Eu disse a princípio, pois a palavra existe, mas vocês não acreditariam se eu vos dissesse qual é (e poucos sequer se lembram que ela tem este significado, embora nós a falemos com muita frequência). De qualquer forma, até mesmo o Fairy do idioma inglês recebe uma ambígua e insuficiente tradução como Fada -- uma palavra que mistura em sua construção uma série de referências que não a equivalem exatamente ao Fairy inglês e muito menos ao ylfe ou ao daóine-sidhe do velho mundo. Se os Fairy desterrados da língua inglesa tem ao menos o direito a ter dois sexos, as fadas são condenadas a ter apenas o sexo feminino e são ainda mais gravemente limitadas em seu escopo de significados e formas. Já a palavra para designar as "fadas do sexo masculino" é ainda mais estranha e inadequada (sim... estou criticando aquele que é meu nome, mas apenas como tradução correta para o Fairy masculino). Vejo isso com um certo assombro, pois as terras ibéricas eram ricas em... errr... fadas e duendes no seu imaginário, simbolismo e mitologia.

A língua e o pensar, o imaginar, andam juntos. Temos, portanto, que tentar recuperar não apenas as palavras certas para falar do Reino Encantando e do povo sutil e mágico que vive e vem de lá, como também reencontrar seus significados. Os filhos de Faërie, a Terra Encantada, agradecem.

Quando abrimos mão das palavras encantadas,
perdemos também os poderes da Subcriação e da Imaginação.
Pensem nisso.




p.s. para aqueles que ainda não sabem, algum dia conto qual é, segundo meus estudos, a única palavra sobrevivente na língua portuguesa moderna para designar o Reino Encantado. (curiosos? procurem em Nansen, In Northern Mists, ii, 223-30. dica de rodapé do próprio Tolkien).

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