Eu não nascí no samba, minha gente. Não vou fingir. Eu não nascí no samba. Mas (isquindô isquindô) dizem por aí que o tambor tem até o poder de levantar os mortos. Talvez seja verdade, pois foi mais ou menos isso que aconteceu comigo.
Estava eu a beira de uma crise nervosa, por excesso de trabalho, excesso de coisas na cabeça, excesso de cigarros, excesso de gripe e de preocupações e falta de sono, quando a batucada começou lá embaixo. Imerso em meu mundinho particular, fiz ouvidos moucos ao chamado de Momo e continuei com meu draminha particular. Mas quando, depois de um jantar sonolento, meus tios resolveram descer para ver o bloco, resolvi descer também. Dei para mim mesmo a desculpa de que precisava comprar mais cigarros, e fui.
Que coisa impressionante é um carnaval de rua! Tá, tudo bem, isso é óbvio para qualquer um seja acostumado com eles. Mas este que vos escreve, criado no mundinho de cobogós da Asa Sul de Brasília e no mundinho tuntistum-ei-ei escuro e estranho do rock da Capital, não conhecia. Já havia me maravilhado com o
Maracatu do
Seu Estrelo e com rodinhas de samba em botequinhos brasilienses, mas não sabia ainda o que era um carnaval de rua (e, não, o Pacotão cruzando a Asa Sul nem se compara com isso aqui).
À volta do carro de som tinha de tudo, gringos e garis (verdadeiros ou fantasiados), putas e cocotinhas, criança, cachorro, gambé e batedor de carteira, gente de tudo que é tipo, gente que sabe sambar ou que não sabe que não deveria tentar, todos no mesmo lugar. E a energia da batida? Quando a batucada subia ao início de cada música, mesmo sendo feita por uns poucos tambores, era uma energia louca. Quando um dos caras que estava puxando o samba no carro de som gritou "Acooorda gente, que é Carvanal!", aquilo me tocou. Porra, e não é mesmo? Eu estou no Rio de Janeiro em pleno Carnaval e ainda não tinha acordado pra isso. E a mágica se fez. O que todos os remédios para a gripe e todas as tentativas de dormir e descansar, e todas as frustradas tentativas de me distrair não haviam conseguido, aquela batucadinha conseguiu. Eu me sentí em paz.
Andando por entre as gentes coloridas ou não, fantasiadas ou não (e nem sempre era fácil saber a diferença), eu curti um bocado a paz de espírito (é, isso mesmo, paz de espírito) que uma boa batucada de rua pode trazer. Fragmentos alegóricos de escolas de samba já desfiladas se misturavam com banhistas tardios que emendaram a praia com o samba, e enquanto um bloco batucava daqui -- surpresa -- surge um outro bloco na outra esquina. Agora vejam bem, eu crescí em uma cidade onde um bloco carnavalesco é quase um acontecimento. Ver dois blocos, das centenas que acontecem só na Zona Sul do Rio, se cruzando, foi impressionante. As batucadas antes distintas pareciam se compor em uma terceira música, e os foliões dos dois blocos se misturavam e pareciam fazer parte de uma coisa só, por alguns momentos. E então o outro bloco seguiu enquanto a banda da Miguel Lemos continuou no mesmo lugar, mas alguma coisa da Miguel Lemos foi com o bloco que passou, e alguma coisa dele ficou aqui. Não sei se foram apenas delírios de um brasiliense impressionado com o carnaval de rua da esquina de casa no Rio, mas há hoje uma magia no ar deste lugar.
A cena da noite, que ainda esperava por mim enquanto eu voltava pra casa no contrafluxo do bloco que passava, foi a de um folião mascarado e tatuado domando o trânsito de uma Avenida Nossa Senhora de Copacabana engarrafada e de uma Miguel Lemos semi-interditada para abrir alas para o Carnaval passar. Foi tão impressionante, que por pouco não escrevo este post inteiro só sobre esta cena e a impressão que ela causou em mim. Agora, em casa, abatido demais pela gripe para continuar lá embaixo, já com meus cigarros comprados, só me faço duas perguntas: Primeiro, porquê diabos eu não ando com minha câmera quando vou a estes eventos? Segundo, como é que eu pude ignorar tudo isso acontecendo debaixo da minha janela o dia todo?
Por vezes nos fechamos tanto em nossos mundinhos que, mesmo que o Carnaval aconteça à nossa volta, a gente nem nota. Que ridículos podemos ser, não?
Boa folia para todos!
E amanhã, se a gripe ajudar, vou sair caçando outro bloco, agora sim, para curtir e pular...
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