7 de jun. de 2007

Cantos de Luanda...

Descobri, através deste post no Global Voices Online o blogue poético-social Kitanda (e quem disse que blogues precisam de designações, Duende!?), recomendado pela colega angolana Koluki como "portal da blogosfera de Angola". No Kitanda (que, descobri, é uma palavra kimbundu para "mercado"), descobri esta letra de música da banda de hip-hop angolana Kalibrados. Reproduzo-a abaixo não apenas pela força e universalidade de seus temas, mas pelo delicioso sabor regional de sua linguagem.

"Fico malaíko com as cenas que constato
Queres ver Luanda, vê primeiro Ecos e Factos
Se água tem, energia não tem.
Se energia tem, água não tem,
nem tudo tá sebem.
A maioria não se importa é só tchillar
Sexta farrar,
sábado no bar,
segunda a kubar.
E Luanda vai morrendo lentamente.
Sem jovens para erguer uma capital diferente.
Se não formos nós, quem fará por nós?
O estrangeiro explora e foge
nunca querer saber de nós.
Não há estrilho, para tudo existe um prazo.
Nossa existência não é obra do acaso.
Digam de que forma a gente vai criticar,
vai relatar, não só Luanda,
Angola vai mudar.

Só a mudança para sarar minha ferida,
ua ué Luanda, amor da minha vida.

Essa é a minha, a tua, a nossa, vossa banda.
Essa é a minha, a tua, a nossa, vossa Luanda.

A preto e branco, como vês, nua e crua,
crua e nua,
conclusões efectua
O kimbundo? nana.
O português? Fala-se mal!
Não é normal,
em termos de linguagem, tá-se mal.
Luz, niente, água, niente.
É melhor eu me calar para não ser inconveniente.
O tempo da TPA, quase todo já foi-se.
Porque quase todos têm em casa, a Multichoice.
Channel O, MTV, KTV, CBC, SIC, Globo, RTPI.
Sim, a globalização tem força,
vemos outras culturas e esquecemo-nos da nossa.
Tu vês que eu não falo a toa.
Roulottes em Luanda é tipo cafés em Lisboa.
Reparem só, analisem com atenção:
sobre o preço da gasolina, sobre o preço do pão.
Sobe quase tudo, só o salário que não.
Bwé de makas, bwé de estrilhos, bwé de kilingas mayuya.

Mas mesmo assim, minha Luanda kuia.
Mas 'inda assim, minha Luanda kuia.
Mas mesmo assim, minha Luanda kuia.
Mas 'inda assim, minha Luanda kuia.

Bem-vindo a Luanda, a cidade que acontece,
onde todos são pausados, todos são kaenches,
onde há bwé de problemas, mas ninguém tá preocupado.
Muitos passam fome, mas tão sempre bem grifados.
Não há retalhos, problemas é a grosso.
Tá na moda formar grupo e dar com catana nos outros.
Tem dicas para rir, tem dicas pra chorar.
E o Luandense até nos óbitos, gosta de se mostrar.
Isso é Luanda, ninguém respeita nada.
Com conversa, não se entendem,
só se entendem com porrada.
Fico malaíko com o clima da cidade,
na porta da discoteca, todos são celebridade
Ninguém pode esperar, todo mundo quer ser visto.
"Hey brother, sou VIP". Comé, brother, evita isso!
Esse mambo tá empestado de ilusão,
Luanda é uma selva onde todos querem ser o leão."

Me encantei não apenas com o sabor da língua, que é o português e ainda é outra coisa -- marca da riqueza humana e cultural lusófona neste mundão -- mas também com sua semelhança e dessemelhança ao nosso português brasileiro. Li e reli a letra, e me deliciei com as palavras desconhecidas cujo significado só posso tentar adivinhar por seu contexto.

Tinha que acontecer cedo ou tarde. Estou me enamorando perdidamente pela lingua em todas as suas formas. Mais do que isso, estou percebendo como é enorme e rico o mundo lusófono. Antes de me envergonhar de descobrir o que pode ser óbvio, encanto-me ao olhar para aquilo que antes não via.

Essa língua portuguesa, com todas as suas cores, é muito gostosa!
Pode-se passar vidas e vidas a descobrí-la e a se brincar com ela.

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