Chuva. (mais um fragmento de "Samhain")
Conforme prometido, aí vai mais um fragmento de meu encruado e complexo conto Samhain. Este é um fragmento de seu início. Não tentem entender a conexão dele com o outro fragmento. Samhain é um conto surreal e cheio de surpresas...
Chuva.
"(...)Os carros buzinavam e passavam lentos, refletindo-se no chão molhado. O tráfego estava levemente engarrafado sobre o asfalto lavado da pista em frente à comercial. Chovia de leve no fim da tarde. O trânsito fluía devagar, quase hipnótico, deixando Rodrigo desatento a tudo mais. O garçom trouxe mais uma garrafa. Marcou um risco azul na comanda da conta. Foi embora. Rodrigo nem o viu. Não viu também a moça de cabelos pretos que passava ao lado da mesa. Ela também não o viu. A gente não enxerga aquilo que não conhece. Vivemos em mundos tão pequenos... E os carros continuavam buzinando e se refletindo no chão. Rodrigo continuava absorto, sem refletir sobre nada. Era um trivial entardecer repleto de nada. Enquanto isso, Alma entrava no carro e ia embora, para se juntar aos carros que buzinavam e refletiam sobre o asfalto. Nada demais.
Caía a noite do dia trinta e um de outubro, mas isso não fazia a menor diferença para a maioria da cidade. Fazia alguma diferença para Rodrigo, que costumava acreditar em velhos Deuses e outras coisas de que ninguém mais se lembra. Costumava, mas agora ele estava indiferente demais para se importar também. Bebia a sua cerveja sem gosto. Vivia sem tesão, pensando vez por outra na morte, mas desistindo também por pura falta de vontade de morrer. Havia chamado alguém para lhe fazer companhia, mas provavelmente ninguém viria. Era noite de quarta feira. Só pessoas como Rodrigo saem para beber em quartas feiras, por pura falta do que fazer. Mesmo assim, havia lá no fundo da garganta dele uma fome profunda por algo que ele não sabia o que era. Talvez fosse alguma coisa. Alguma coisa que o levasse além do nada que o cercava. Alguma coisa alada que queria voar acima do tédio das asas cubistas da cidade. Indiferente a tudo isso, chovia.
Quando a chuva engrossou e todos começaram a escapar, resmungões, das mesas que se molhavam, Rodrigo também se levantou. Não sabia se pagava a conta e ia embora, ou se ficava por ali olhando a chuva. Tanto fazia. Nada fazia diferença na noite vazia que antecedia mais um dia de trabalho vazio no amanhã. Então, Rodrigo ficou. Sentou-se em outra mesa, esta protegida do aguaceiro, pediu outra cerveja e se deixou olhando a chuva. Os respingos que o alcançavam e o molhavam aos poucos eram tudo que o separava da completa banalidade de beber silenciosamente sozinho em um bar onde nada nem ninguém o interessava. Gostava da chuva, mas não o bastante para se animar com ela. Contudo, ficou ali, por hora.(...)"
Não há garantia de que este fragmento vá permanecer inalterado ao longo da escrita do conto, nem sequer há garantia de que ele vá figurar na versão final de Samhain, mas resolvi publicá-lo para dar um gostinho do que ando escrevendo (embora, confesso, este seja um fragmento um tanto antigo, pois não tenho trabalhado em Samhain nos últimos dias).
Chuva.
"(...)Os carros buzinavam e passavam lentos, refletindo-se no chão molhado. O tráfego estava levemente engarrafado sobre o asfalto lavado da pista em frente à comercial. Chovia de leve no fim da tarde. O trânsito fluía devagar, quase hipnótico, deixando Rodrigo desatento a tudo mais. O garçom trouxe mais uma garrafa. Marcou um risco azul na comanda da conta. Foi embora. Rodrigo nem o viu. Não viu também a moça de cabelos pretos que passava ao lado da mesa. Ela também não o viu. A gente não enxerga aquilo que não conhece. Vivemos em mundos tão pequenos... E os carros continuavam buzinando e se refletindo no chão. Rodrigo continuava absorto, sem refletir sobre nada. Era um trivial entardecer repleto de nada. Enquanto isso, Alma entrava no carro e ia embora, para se juntar aos carros que buzinavam e refletiam sobre o asfalto. Nada demais.
Caía a noite do dia trinta e um de outubro, mas isso não fazia a menor diferença para a maioria da cidade. Fazia alguma diferença para Rodrigo, que costumava acreditar em velhos Deuses e outras coisas de que ninguém mais se lembra. Costumava, mas agora ele estava indiferente demais para se importar também. Bebia a sua cerveja sem gosto. Vivia sem tesão, pensando vez por outra na morte, mas desistindo também por pura falta de vontade de morrer. Havia chamado alguém para lhe fazer companhia, mas provavelmente ninguém viria. Era noite de quarta feira. Só pessoas como Rodrigo saem para beber em quartas feiras, por pura falta do que fazer. Mesmo assim, havia lá no fundo da garganta dele uma fome profunda por algo que ele não sabia o que era. Talvez fosse alguma coisa. Alguma coisa que o levasse além do nada que o cercava. Alguma coisa alada que queria voar acima do tédio das asas cubistas da cidade. Indiferente a tudo isso, chovia.
Quando a chuva engrossou e todos começaram a escapar, resmungões, das mesas que se molhavam, Rodrigo também se levantou. Não sabia se pagava a conta e ia embora, ou se ficava por ali olhando a chuva. Tanto fazia. Nada fazia diferença na noite vazia que antecedia mais um dia de trabalho vazio no amanhã. Então, Rodrigo ficou. Sentou-se em outra mesa, esta protegida do aguaceiro, pediu outra cerveja e se deixou olhando a chuva. Os respingos que o alcançavam e o molhavam aos poucos eram tudo que o separava da completa banalidade de beber silenciosamente sozinho em um bar onde nada nem ninguém o interessava. Gostava da chuva, mas não o bastante para se animar com ela. Contudo, ficou ali, por hora.(...)"
Não há garantia de que este fragmento vá permanecer inalterado ao longo da escrita do conto, nem sequer há garantia de que ele vá figurar na versão final de Samhain, mas resolvi publicá-lo para dar um gostinho do que ando escrevendo (embora, confesso, este seja um fragmento um tanto antigo, pois não tenho trabalhado em Samhain nos últimos dias).
Marcadores: alma, brasília, escritos, fragmentos, literatura sobre brasília, samhain
1 Comments:
Olhe esse menino, vou ter que levar ele pra casa, sabe como é... não dá prá ficar me entregando às suas palavras assim, na sala fria de um ciber-café.
Maos um beijinho daquele lá detrás.
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