"Ela", fragmento número um (uma introdução?)
"O que estou fazendo aqui?
Não me lembro, ou não quero me lembrar, do que aconteceu antes. Fico olhando para o espelho. Algumas lâmpadas estão queimadas, e o espelho está borrado com marcas de dedo e velhas anotações em batom mal apagado. O camarim -- meu camarim? -- tem um cheiro ruim de roupas guardadas e poeira. Acendí um cigarro mas não o fumei. Ficou flutuando em meus dedos, morrendo lentamente, se desmanchando sobre a bancada. Fiquei perdida em meus olhos, querendo lembrar quem eu sou sem olhar para quem eu fui. Talvez não seja possível fazer isto para sempre. Mas quem é que nunca quis ser outra pessoa?
Me lembro de alguém -- cujo rosto e o nome se perderam na profusão de rostos que me olha por trás de meus olhos no espelho -- que sonhou um dia em ser bailarina. Queria subir em um palco e ser vista, e flutuar sobre todos, acima do mundo que a cercava. Um marinheiro em um beco em um dia fatal acabou com seu sonho e com sua vida. Eu soube, como sempre sei, do que havia acontecido. E há lugares em que o vento tem nome e alma de mulher. Mas mesmo quando ele morreu de frio ou asfixia junto com seus companheiros no naufrágio de seu navio, a dor não parou. Por uns dias pensei em esperar ele nascer novamente para continuar a vingança. Depois, outras dores me fizeram esquecer.
A dor era tanta que não tive opção senão me tornar parte dela. E foi assim que vim parar aqui, acho. Não me lembro mais, e prefiro não me lembrar, dos caminhos que me trouxeram até aqui. Os olhos que me olham do espelho estão chorando. Me surprendo com meu gemido baixo, e meus soluços. E então choro inteira, lavando o que restou da maquiagem que já estava borrada.
Batem na porta e me xingam. Estão com pressa para que eu me apresente novamente para eles. Quando me olho novamente no espelho, tenho medo de mim.
Chegou a hora de me apresentar para eles, então. Sorrio. Eles se esqueceram de mim, e agora é hora de lembrá-los."
Não me perguntem o que é. Eu também não sei.
Talvez um esboço, um fragmento. Algo que Ela mandou para avisar que existe. E Ela vai voltar.
Não me lembro, ou não quero me lembrar, do que aconteceu antes. Fico olhando para o espelho. Algumas lâmpadas estão queimadas, e o espelho está borrado com marcas de dedo e velhas anotações em batom mal apagado. O camarim -- meu camarim? -- tem um cheiro ruim de roupas guardadas e poeira. Acendí um cigarro mas não o fumei. Ficou flutuando em meus dedos, morrendo lentamente, se desmanchando sobre a bancada. Fiquei perdida em meus olhos, querendo lembrar quem eu sou sem olhar para quem eu fui. Talvez não seja possível fazer isto para sempre. Mas quem é que nunca quis ser outra pessoa?
Me lembro de alguém -- cujo rosto e o nome se perderam na profusão de rostos que me olha por trás de meus olhos no espelho -- que sonhou um dia em ser bailarina. Queria subir em um palco e ser vista, e flutuar sobre todos, acima do mundo que a cercava. Um marinheiro em um beco em um dia fatal acabou com seu sonho e com sua vida. Eu soube, como sempre sei, do que havia acontecido. E há lugares em que o vento tem nome e alma de mulher. Mas mesmo quando ele morreu de frio ou asfixia junto com seus companheiros no naufrágio de seu navio, a dor não parou. Por uns dias pensei em esperar ele nascer novamente para continuar a vingança. Depois, outras dores me fizeram esquecer.
A dor era tanta que não tive opção senão me tornar parte dela. E foi assim que vim parar aqui, acho. Não me lembro mais, e prefiro não me lembrar, dos caminhos que me trouxeram até aqui. Os olhos que me olham do espelho estão chorando. Me surprendo com meu gemido baixo, e meus soluços. E então choro inteira, lavando o que restou da maquiagem que já estava borrada.
Batem na porta e me xingam. Estão com pressa para que eu me apresente novamente para eles. Quando me olho novamente no espelho, tenho medo de mim.
Chegou a hora de me apresentar para eles, então. Sorrio. Eles se esqueceram de mim, e agora é hora de lembrá-los."
Não me perguntem o que é. Eu também não sei.
Talvez um esboço, um fragmento. Algo que Ela mandou para avisar que existe. E Ela vai voltar.
"Se eu soubesse desenhar, nunca teria começado a escrever"
~ Patrícia Nardelli, com quem me identifico muito.
~ Patrícia Nardelli, com quem me identifico muito.
Marcadores: ela, escritos, fragmentos, histórias encantadas, Queda do Oeste
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