Vendo fadas e duendes pela janela do carro... (ou, indo d'Aquí para Lá)
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Mais do que realmente acreditar, eu realmente confiava na magia naqueles tempos. Confiava mais na existência de um mundo além do visível, de uma lei natural superior às limitadas visões da natureza por parte do homem moderno, do que confiava em qualquer outra coisa, ou mesmo em mim. Eu era uma criança então. Mas era uma criança mágica. E eu sabia o que aquelas fadas e duendes e pequeninos e dançarinos-da-madeira estavam dizendo para mim. Eu sabia exatamente o que eles queriam dizer quando olhavam para mim com aqueles muitos olhos, de muitas cores e formatos, tão curiosos e assombrados quanto eu. Eles queriam dizer "que diabos você tá fazendo aí, colega?". Eles também queriam dizer "Tá. Já que você está aí, boa sorte, viu?".
Não era como se eu fosse parte daquilo. Eu era parte daquilo -- daquele outro mundo -- assim como ele era parte de mim. E ele fazia sentido. Era um mundo de presságios, de sinais, de sentidos e significados velados e de ligações misteriosas entre todas as coisas. Era um mundo onde tudo fazia sentido, embora quase tudo fosse envolto em mistério. Era um mundo que era mais estranho e ao mesmo tempo mais familiar para mim do que este mundo dos homens e das máquinas aqui. Era o meu mundo, e eu estava em casa nele. E daquele mundo vinham as certezas, e a força, para continuar vivendo.
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Levei muito tempo para conseguir entender quem eu era, e quem eu sou. Nunca me sentia realmente em casa em lugar algum. Nunca me sentia realmente compreendido por ninguém. A sensação de eterno estranhamento, eterna alienação, me perseguia. Mesmo depois de aprender as artes da dissimulação e da adaptação, artes estas bem humanas -- bem diferentes das ilusões e do glamour das fadas -- eu continuava me sentindo inadequado. Quando descobri, ou redescobri, a escrita e o contar de histórias, conheci uma nova dimensão de alívio e dor. Alívio, pois descobri na arte uma nobre ressonância da magia da Terra Encantada.
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A Terra Encantada estava lá dentro de mim o tempo todo, embora com o tempo eu viesse perdendo mais e mais a minha capacidade de entendê-la, enxergá-la, adentrá-la. Entendi que não interessa quantas histórias eu contasse, nunca conseguiria chegar sequer à sombra do encanto daquelas Terras. Nunca alcançaria a beleza ou a magia da minha Alriada. Isso me fez desistir da escrita e da poesia por muito tempo. Novamente, me perdia de mim. Comecei novamente a perder as esperanças.
As alegrias deste mundo não são poucas nem pequenas. As diversões, as maravilhas, os sutis encantos das gentes são infindos. O horror e o absurdo das gentes também é um reflexo à altura dos horrores e perigos da Terra Encantada. Mas neste mundo de beleza e horror, eu sou um estrangeiro. Encanto-me, caminho por ele, tento construir nele uma casa, encontrar um espaço, mas sou eternamente um estrangeiro. Tornei-me também um estrangeiro de mim, e isso foi o mais triste. Perdido no reino do meio, na estrada cinza entre a Terra Encantada e a Terra da Gente, eu virei um alguém de lugar nenhum -- algo próximo a um não alguém. É claro que eu sabia fingir muito bem. Quase era possível que acreditassem, mesmo olhando bem de perto, que eu era mesmo o que parecia ser -- um Gente -- e que tudo estava bem. Até eu acreditava nisso, e propositalmente ou não, esquecia que tudo aquilo era uma mentira contada para esconder um vazio que eu não sabia como remediar. Mas era uma mentira. Eu não sou um Gente. Eu sou um filho do Outro Lado, e cedo ou tarde isso sempre vinha à tona quando me deparava com a minha inabilidade essencial para lidar com certas coisas do aqui.
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Vistas de fora, estas dores parecem-se um bocado com as dores dos Gentes. Mas, acreditem-me, não o são, como não são cogumelos de verdade aqueles que ladeiam aquelas árvores. Tudo de natureza feérica é dotado de tal sutileza que, aos olhos dos Gentes, passam por outras coisas que, acreditem-me, não são realmente. É particularmente grave quando, com a vista anuviada como a dos Gentes, os filhos da Terra Encantada começam a enxergar cogumelos onde há pequeninos, e dores humanas onde há a destruidora angústia de uma fada exilada. E foi o que fiz. Durante tantos anos, depois que fechei os olhos para tudo que era, eu realmente acreditei que todas estas dores eram apenas dores como as de todas as outras pessoas. Não me admira que nunca as tenha conseguido solucionar realmente. Não me admira que eu nunca tenha conseguido realmente entender quem eu sou, ou por quê sou como sou, quando fechava os olhos para a chave desta resposta. Pior do que ser um duende se perdendo da Terra Encantada era ser um Duende que achava que era Gente.
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E assim, realizando uma verdade simples e inexprimível, o duende pode enfim terminar o texto que começou sem saber onde o iria levar, e dormir em paz.
Ao menos agora vocês sabem um pouco da minha história. Mas esta é apenas uma das formas de contá-la -- a minha -- e vocês não precisam acreditar nela. No fim das contas, sou apenas uma bela ilusão para vocês. Assim é a vida paradoxal das fadas.
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E este é um mundo realmente muito estranho...
7 Comments:
Nunca me identifiquei tanto com alguma coisa como com isso! Obrigada! Ainda Estava à espera de uma História Dessas Para Acreditar em mim! Força!
seria idiota dizer que
eu concordo com o comentário anterior
e agóra?
será que com todas essas mudanças nesse mundo estranho de gentes estou cada vez mais perto do mundo mágico ?
é o que sempre tento fazer
e as vezes sonho com eles
os pequeninos x)
há quem acredite
nós dois somos uns
somos dois
Olá Josiane. Acho que não seria idiota não. Eu também me identifico com o comentário anterior. De certa forma o que coloquei no post é o cerne de boa parte dos meus sentimentos sobre o tema.
Tenho a impressão de que quase todas as mudanças deste mundo só nos afastaram mais e mais de muitas coisas boas, mas é possível que agora que caminhamos a passos largos dentro do absurdo, o efeito esteja sendo o contrário para algumas pessoas.
De qualquer forma, sempre acreditei que o mundo que vemos é apenas uma parte do mundo que há. Há muito mais que só os cantos dos olhos e os cantos da alma podem capturar.
Abraços do Verde.
Antes de tudo,
a magia existe, e dizer que não é tão infantil quanto negar a ciência
Suas idéias não são de crianças, mas as mesmas de grandes homens como platão, HP Blavatsky, N Sri Ram.
Vc já passou pela etapa de consciência e trouxe isso de outras vidas( n sei se acredita)
infelizmente o mundo atual está num momento de degeneração
é necessário que você não se deixe levar
Tenho mais coisas a falar
entre em contacto
Parceiro de onde você tirou essas imagens?
Da rede, meu amigo.
Hj aos 34 anos , vejo que a vida é complicadas mas me levo a alguma lembranças da infância .
Que nós mostra o seu ponto de vista .
É sim o mundo encatados são sim mágicos e fujir dessas realidade humana e as vezes cansativa e bom .
Eu também não posso afirma nada mas a mas a ser descobrir neste mundo ao que os olhos estão abtuados a ver . Parabéns pela pág, de alguma forma muitos sentem algo semelhante.. Meu caso por exemplo ...
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