Escrevendo sobre a decadência do Rio
Crônica da agonia carioca
Existe uma cidade, uma cidade belíssima, que está indo para as cucuias. Mas, coisa curiosa, a literatura que nela se produz não parece muito interessada em refletir isso. Consciência do próprio caráter de artifício, alergia a temas que possam ser considerados políticos, esteticismo, cinismo ou apenas vocação para outros tipos de olhar, o fato é que a maioria dos escritores do Rio (e eu me incluo aí) tem adotado um certo ar blasê enquanto o velho espírito carioca estrebucha na calçada. Como se, sei lá, precisássemos fingir que é dor a dor que deveras sentimos.
Fernando Molica é uma exceção. Sendo também jornalista, e dos bons, há anos se ocupa de traduzir os signos mais vistosos dessa queda, que na imprensa são rasos e febris, ruído puro, para a linguagem saturada de sentido da literatura. Correndo os riscos embutidos em seu projeto – inclusive o de ser visto como herdeiro do populismo literário de um José Louzeiro, coisa que não é –, divide sua fé em doses iguais entre realidade e ficção, sem fazer caso excessivo da desconfiança que nossa época devota a ambas. A sobriedade desse olhar realista mas bem-humorado, que repudia esquemas absolutos e tramas mirabolantes, é uma proeza e tanto, especialmente para um botafoguense.
“O ponto da partida” (Record, 192 páginas, R$ 32), uma esperta – e negra, e melancólica – crônica de costumes carioca, é o novo romance de Molica. “Notícias do Mirandão” (2002) ainda é seu livro de que mais gosto, mas este chega perto de ameaçar essa liderança. O Rio já pode ir para as cucuias em paz: pelo menos um de seus cronistas não deixará tudo terminar em pós-moderna algaravia.
Publicado por Sérgio Rodrigues - 16/04/08 8:18 AM
Quando morava no Rio, no ano passado, confesso que sentí algo desta "queda" me impressionando, mas não soube elaborar sobre ela. Ia em meu livreiro e pedia "me apresente boa literatura sobre o Rio", mas Rubem Fonseca foi o mais próximo que cheguei de identificar o que eu lia com o que eu via. Agora, talvez, este Fernando Molica (que curiosamente era o nome do meu pediatra há um quarto de século atrás, que por sinal também morava no Rio) possa me redimir este sentimento constante de que o Rio não é mais o que o carioca insiste em achar que ele é. A cidade mudou, mas o povo de lá insiste em se apegar ao Glamour de carnavais passados...
Vamos ver. Vou atrás do livro e depois conto pra vocês o que achei.
Marcadores: literatura, Rio de Janeiro
1 Comments:
Boa dica! Estou sempre ligada nesta relação do carioca com sua vaidade e sua auto-estima. Escrevi sobre isso no Overmundo há um tempão aqui:http://www.overmundo.com.br/overblog/o-rio-de-janeiro-continua-sendo-o-que
Hoje gosto mais dos comentários do que do próprio texto, mas ainda acho a mesma coisa: o carioca pode não mostrar isso pro mundo, mas ele está sim pensando no declínio da cidade o tempo todo...
Beijos, Duende!
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